Por Pedro Augusto Pinho 

Vivemos no Brasil do século XXI o mais trágico retrocesso de nossa história.

Se na década de 1980, chuvas de meteoritos caíssem na Terra, o efeito não seria tão devastador quanto as desregulações financeiras, promovidas pela inglesa Margaret Thatcher e seu parceiro estadunidense Ronald Reagan, acrescidas da promulgação do decálogo neoliberal, ao final da década, em novembro de 1989, denominado “Consenso de Washington”. 

No primeiro caso haveria a catástrofe de destruição física, semelhante àquela de 60 milhões de anos, provocando a extinção dos gigantescos répteis, mas, naquela do final do século XX, houve a reversão do pensar, a mudança de valores que eram considerados próprios da raça humana. Ou seja, houve a destruição moral, mudanças de comportamentos, provocando ainda maior malefício para pessoas individualmente, e suas instituições, suas sociedades, seus países. 

Foi assim que a nação mais rica do mundo saiu do processo de desenvolvimento econômico, tecnológico, societário, para a submissão colonial, escravidão física e mental. 

Sendo nosso interesse, hoje e sempre, o Brasil, recapitulemos o que ocorria no País até 1980 e com o que passamos a conviver. 

Nossa verdadeira Independência não ocorreu de ato de uma única pessoa. Este é o erro comum de quem acredita em milagres, na sujeição dos homens a entidades imateriais, pois não se debruçam no conhecimento científico, no estudo da maravilha que é o cérebro humano, na capacidade de criação possibilitada pela união das pessoas, no valor da solidariedade e do patriotismo. 

Poderíamos ir tão longe quanto nos permitem os registros históricos, na Revolta dos Tupinambás, de 13 de janeiro de 1618, ou, destes mesmos “guerreiros da tribo tupi” (Gonçalves Dias, “I-Juca-Pirama”), na Confederação dos Tamoios, dos chefes Aimberê e Cunhambebe, entre 1554 e 1567, pela liberdade em face da escravidão colonial promovida pelos portugueses. 

Porém fiquemos mais perto, neste caminho da soberania brasileira, que tem na Revolução de 1930, surgida no Rio Grande do Sul, o mais nítido referencial. 

Eventos sociais são criações coletivas, dependem do convencimento de diversas pessoas, que se interessam pelo bem comum de todos, da construção das instituições da sociedade. Em 24 de outubro de 1930 ocorreu a Revolução pela Soberania Brasileira. Políticos, militares, intelectuais, profissionais liberais, operários, estudantes, homens e mulheres em todo País se revoltaram com a submissão do Brasil a interesses estrangeiros, com a estagnação econômica, tecnológica, com a falta de autonomia decisória dos dirigentes e se levantaram com armas e coragem para construir o novo País: a Nação Soberana Brasil.  

Em 3 de novembro, Getúlio Dornelles Vargas assume interinamente a presidência do País. Duas decisões demonstram esta vontade e capacidade soberana: a criação, em 14 de novembro de 1930, do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública e, em 26 de novembro de 1930, a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e do Comércio.  

Pela primeira vez, o trabalho ganha a proteção do Estado, é o fim da escravidão. Passa a ter sua garantia legal, o que se concretiza, em 1º de maio de 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), leis que vinham sendo promulgadas desde 1930. 

Entre 19 de abril de 1890 e 30 de outubro de 1891, para atender ao positivista, republicano e militar Benjamin Constant Botelho de Magalhães, o governo do Marechal Deodoro da Fonseca (15 de novembro de 1889 a 23 de novembro de 1891) criou o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Fora a primeira vez, e por breves dezoito meses, que o Estado Brasileiro assumia a gestão da educação. Que, em 1930, com o Ministério de Vargas passa aos cuidados, juntamente com a saúde, do Estado Nacional. 

Estas medidas de autonomia e do desenvolvimento nacional encontraram na principal potência da época a decisiva oposição, para o que contaram, como sempre aconteceu e continua acontecendo, com um discurso que desvia dos verdadeiros objetivos. Naqueles 1932, este discurso que denominamos Pedagogia Colonial, foi a urgência da constituição que, na farsa dos ingleses e seus asseclas brasileiros, precisava para dar formalidade ao que o povo, em armas, já decidira. 

Muito já se escreveu e se comprovou sobre a falácia da “Revolução Constitucionalista de 1932”. Mas preferimos transcrever de quem viveu todos aqueles momentos de intranquilidade, de ameaça de retrocesso, de retorno ao País do colonialismo da Inglaterra, a filha de Getúlio, Alzira Vargas: 

“Positivamente, a Revolução Constitucionalista de São Paulo não era nenhuma dessas três coisas. Não era uma revolução. Era uma represália. Não era constitucionalista, pois apenas contribuiu para perturbar a constitucionalização do país. E, por estranho que pareça, também não era paulista. … era feita dos grãos de ódio de todos os reacionários, de todos os tempos e de todos os Estados” (Alzira Vargas do Amaral Peixoto, “Getúlio Vargas, meu pai”, Editora Globo, Porto Alegre, 1960). 

Miguel Bodea, doutor em ciências econômicas por Cambridge (Reino Unido), mestre em ciências políticas pela Universidade de São Paulo, precocemente falecido (1948-1988), foi competente estudioso das origens do trabalhismo que chega ao poder com Getúlio Vargas (“A Greve de 1917 – As origens do trabalhismo gaúcho”, L&PM, PA, s/data, e “Trabalhismo e Populismo no Rio Grande do Sul”, Editora da Universidade, PA, 1992).  

Ao tratar das especificidades da formação econômica e social gaúchas, Bodea escreve, com base no Censo de 1907: 

“o Estado possuía então a mais alta porcentagem nacional de firmas industriais de propriedade individual, o maior número de bancos controlados por capitais nacionais e o maior índice de investimentos norte-americanos (no resto do país ainda predominava o capital britânico)”. 

Alzira não poderia, sem atingir a memória de seu pai, imputar ao colonialismo inglês o incentivo à contrarrevolução de 1932, preferiu atrelar ao sentimento de inespecíficos derrotados. 

Os Governos Vargas, resultado da Revolução Popular Vitoriosa (1930-1945) e da eleição direta (1951-1954), fizeram surgir um movimento muito mais amplo e profundo, a Era Vargas, que vence golpes, tentativas, eleições diretas e indiretas, e só se encerra com a devastadora chuva de meteoritos e do tsunami da vitória do financismo estéril e apátrida dos anos 1980. 

Vivemos no Brasil do século XXI o mais trágico retrocesso de nossa história. Pois não é somente o da atividade econômica, do esvaziamento da capacidade nacional, pelas privatizações e alienações da ação administrativa pública e privada nacional, da miséria e do retorno ao mapa mundial da fome, é principalmente pelos embustes, pelos estardalhaços, pelos artifícios, as artimanhas dos orçamentos secretos, as celeumas inconsequentes e ardilosas entre os poderes, as ciladas de golpes irresponsáveis. É de governo que tem a mais baixa credibilidade de todos que chegaram ao fim de seu mandato. 

E, com esta regressão espantosa, em todos os campos da ação humana, que a nação mais rica do mundo, em população miscigenada, como foi a Roma antiga, maior potência de seu tempo, também em recursos de energia primária, em águas doces, em terras férteis, em recursos solares, eólicos, na imensa área marítima, abundante malha fluvial, toda sorte de minérios para desenvolver pujante industrialização, fica entregue ao indistinto, enganador, fosco e sumido “mercado”. Quem é o “mercado”? Diga-nos senhores do governo? Diga-nos senhores apoiadores no legislativo, no judiciário, nos Estados e Municípios? 

Vou responder a vocês. São capitais acumulados pelas mortes, pelo dizimar de povos e idiomas, pela escravidão dos seres humanos, pela difusão de doenças, pelo maior genocídio da humanidade que foi a ocupação das Américas pelos europeus, são igualmente aqueles considerados criminosos pelos tratados internacionais e pelas leis de todo mundo civilizado, como o tráfico de drogas, a corrupção, a chantagem, o tráfico de pessoas e órgãos humanos, residentes nos 84 paraísos fiscais, lugares onde só prevalece a compra de consciência e do frágil poder para não ser tributado. Antes da catástrofe de 1980, eram menos de 10%, oito paraísos mais que decuplicaram. 

Quem chegou aqui, na leitura deste artigo, sabe a resposta do que cresceu e da razão do descaminho brasileiro. E pode estancar o processo. 

PEDRO AUGUSTO PINHO é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), avô e administrador aposentado, com 25 anos de trabalho na Petrobrás. Um cidadão nacionalista e patriota, diplomado e ex-professor na Escola Superior de Guerra.

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