Por Pedro Augusto Pinho –
Os dirigentes neoliberais preferem levar a humanidade à guerra do que matar a fome dos povos.
1920. Rigorosamente há um século. A Europa destruída por uma guerra e pela epidemia que matou muito mais do que a guerra.
2020. O mundo Atlântico em crise pela economia não produtiva nem distributiva. E também sofrendo o mesmo tipo de epidemia do século atrás.
Em ambos os momentos havia uma porta de saída, mas a ganância, o egoísmo, o total desprezo pela pessoa humana levou, duas décadas depois, a uma segunda guerra, envolvendo muitos mais países. Hoje estamos vendo aproximar pela loucura dos dirigentes ocidentais, a guerra que pode ser o fim da humanidade.
Analisemos os fatos, busquemos entender seus fundamentos.
O sistema capitalista permite o desenvolvimento produtivo, é inegável. Mas é concentrador, ou seja, expulsa dos ganhos parcelas cada vez maior da humanidade. E necessita eliminar estas parcelas, com guerras e pestes, para vencer o grande inimigo demográfico.
Isto acontecia em 1920, com 1.834 milhões de pessoas, hoje somos 7.800. A cada 50 anos, neste último século, a população dobrou. Ou seja, duplicaram as necessidades de alimento, habitação, água, bens materiais como vestuários, meios de locomoção e ocupação produtiva, criativa ou espiritual.
Mas o mundo foi assolado nos anos 1980 por uma pandemia muito mais mortal e cruel: o neoliberalismo, concentrador de renda, eliminador de ocupações produtivas, cerceador da imaginação criadora, de tudo que não resultasse em ganho financeiro máximo e rápido.
E quando chega a pandemia virulenta de 2020 encontra a civilização atlântica com Estados Mínimos, controlados por empresas gestoras de ativos, promovendo a destruição industrial, o desemprego, a total insegurança.
E como ocorrera nos anos 1920 havia uma porta de saída. Não a adesão ao socialismo marxista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), mas diversos modelos capitalistas distributivistas e participativos, como sociedades corporativas, socialdemocratas, até mesmo estruturas de Estado autoritárias, mas inclusivas e valorizando o trabalho e a criatividade.
O mundo mecânico tinha limitações que o mundo virtual de hoje superou. As ameaças atuais são mais graves e danosas.
Vamos procurar entender, fora de chavões ideológicos, o que se passa na sociedade humana de 2020.
O que salta aos olhos é a enorme corrupção do neoliberalismo acarretando Estados frágeis, incapazes e absolutamente inseguros, tanto na vida cotidiana quanto nos direitos de existência e dignidade. A sociedade ocidental, cada vez mais, tomada por milicianos, mercenários, dirigentes inteiramente afastados das necessidades populares, da maioria absoluta das populações. E estas populações sofrendo a permanente e insidiosa doutrinação das mídias comerciais, eletrônicas, uma pedagogia colonial, que a torna insensível e cruel para si mesma.
A República Popular da China (RPC) procura uma alternativa ao mundo neoliberal, com um programa inclusivo de construções viárias, produção industrial e novas formas de comercialização e, agora, de comunicação e de moedas.
Não se trata de submissão a nova forma colonial. Há este risco, é evidente, mas já estamos sofrendo há anos de uma colonização que além de extrair nossas riquezas naturais, elimina empregos e castra as iniciativas e afoga a criatividade.
Existem espaços de acordos, cooperações, ações solidárias, como os BRICS procuravam desenvolver a margem do neoliberalismo. E que esforço estas forças financeiras fizeram e fazem para eliminar os BRICS, tirando informações das mídias, criando fantasias e situações irreais para confundir pessoas e, assim, impedir o sucesso de uma opção de vida.
Os Estados Unidos da América (EUA) que, desde o governo Reagan, se tornou um Estado neoliberal, como se vê pelo número de desempregados, pela crescente miséria da população, pelo fechamento de fábricas, pela queda na produção científica e tecnológica, está sendo conduzido para guerra com a China.
Isto será o fim da humanidade, pois as armas de hoje são de destruição total, de destruição de massa que não possuía o Iraque, mas serviu de pretexto para acabar com um país.
O neoliberalismo no governo estadunidense vai procurar outra farsa, outro pretexto mentiroso para uma guerra que arrastará o mundo para destruição.
Não se trata de guerra ideológica, como os mais estultos acreditam e procuram difundir, pois a RPC adota uma forma de capitalismo orientada pelo Estado. Modelo que aproveita a iniciativa, a racionalidade produtiva em benefício de mais pessoas do que um grupo de proprietários financeiros, que mantém, o que é mais humano, a valorização do trabalho.
O gênio político de Getúlio Vargas, em 1938, quando a guerra se aproximava das nações, em dois discursos, mostrou a necessidade de Forças Armadas aparelhadas – “esse programa não pertence a indivíduos mas é a própria vontade da Nação, que o Governo levará a termo” – e a importância do trabalho, “o maior fator da elevação da dignidade humana”.
Transcrevemos um trecho do discurso de 1º de maio de 1938:
“Ninguém pode viver sem trabalhar; e o operário não pode viver ganhando apenas o indispensável para não morrer de fome! O trabalho justamente remunerado eleva-o na dignidade social. Além dessas condições, é forçoso observar que, num país como o nosso, onde em alguns casos há excesso de produção, desde que o operário seja melhor remunerado, poderá, elevando o seu padrão de vida, aumentar o consumo, adquirir mais dos produtores e portanto melhorar as condições do mercado interno”.
Mais de um século antes de Vargas, quando o Brasil se tornava formalmente independente, outro grande e esquecido brasileiro, o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, clamava pela libertação dos escravos e pela inclusão dos índios na sociedade brasileira (“um prêmio pecuniário a todo cidadão brasileiro branco ou homem de cor que se casar com índia gentia”). E assim analisava nossa sociedade em textos de 1822 e 1823, que reproduzimos da coletânea “Projetos para o Brasil”, organizada por Miriam Dolhnikoff (Companha das Letras, SP, 2005):
“A sociedade civil tem por base primeira a justiça e por fim principal a felicidade dos homens; mas que justiça tem um homem para roubar a liberdade de outro homem, e o que é pior, dos filhos deste homem, e dos filhos destes filhos?”
“A desgraça do Brasil começou porque o imperador ouvia os invejosos e inimigos dele e do Estado. Reinou a precipitação nos negócios, não medindo a gravidade e circunstâncias dos tempos. Houve só despotismo cego de uma parte, e de outra vileza interessada e egoísta, ou adulação e astuciosos falatório. Os ladrões antigos e modernos, que ele antes conhecia e desprezava, souberam iludi-lo, e aproveitar-se para a ruína do Estado e desonra dele; e tomaram as rédeas do governo. Dilapidações do tesouro público, perdularidade, guerras ruinosas, recrutamentos contínuos e opressivos reduziram o Estado a um cadáver, que corre a passos apressados à morte ou à sublevação”.
O Brasil precisa com urgência romper com o financismo neoliberal, promover projeto de reconstrução nacional, com empreendimentos produtivos, com o controle estatal de seus bens naturais, da energia e aquíferos, dirigidos para o consumo interno e para inclusão da população brasileira, marginalizada pelo desemprego e miséria, voltando a investir em ciência e tecnologia, civil e militar. E assim, colaborar para a paz e para a vida sadia e segura da nossa gente.
Não podemos repetir erros passados, com “doutrinas tão ridículas e desprezíveis” como disse José Bonifácio, que “nem ousam imprimi-las”.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado.
MAZOLA
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