Por Ricardo Cravo Albin

CRÔNICAS DA PANDEMIA Nº 21.

“Prezo aqueles que me repreendem porque me instruem, ao contrário dos que me bajulam, porque me corrompem”. Santo Agostinho. Ou, “Eu só voltaria ao Senado para pedir perdão a Deus pelo que fiz a esta República, e admiro que o povo não nos tenha cortado a cabeça”. Quintino Bocaiuva (sec. XIX).

Ao longo desses meses de pandemia, venho clamando que as dores provocadas pelo coronavírus, fatalizando o assombro de cem mil óbitos se acumulam com o que se faz com o país. Aparentemente também atingido por vírus que subtrai transparências no dia a dia e soma mentiras.

Ao longo dessa última quinzena, as aflições se voltaram para as tentativas de armar arapucas para destruir a Lava Jato e pulverizar as até agora bem sucedidas tentativas de combater a corrupção.

Afastado do Ministério, Sergio Moro continuou merecendo adesão dos procuradores da Força Tarefa, à frente outro grande brasileiro, Deltan Dellagnol. As artimanhas a favor da corrupção se ampliaram esta semana para puni-lo e até afastá-lo da Lava Jato.

Quem tinha a obrigação moral de sair em seu socorro? Claramente que o Presidente da República, eleito por ostentar de pés juntos a bandeira do combate à corrupção, de que seriam titulares empreiteiros, políticos e ex-presidentes. A luta tão ostensiva, apregoada por todo o país, ressoou sobremodo no eleitorado da classe média. Nós, constrangidos, logo nos demos conta do que ocorreu. O Presidente defenestrou em menos de um ano seu fiador Sergio Moro, exatamente o mais brilhante, confiável e corajoso brasileiro em décadas, do qual foi retirada a carta branca com que o Presidente lhe acenara para atraí-lo ao governo.

Voltando às arapucas montadas para destruir o sucessor moral de Moro, elas se sentaram no colo do Procurador Geral Aras. Como todos sabemos, ele não foi indicado pela lista tríplice tradicional. O que já demonstrava uma suspeição de intenções dúbias, o desejo de interferir na Procuradoria Geral e na Polícia Federal. Que razões o motivariam a isso? Ninguém ao elegê-lo, com o compromisso de prestigiar a Operação de Curitiba, ousaria sequer imaginar a não transparência do governo. Seria exatamente por isso que eleitores bolsonaristas, íntimos amigos meus, passaram a julgar seus votos sequestrados. Tarde demais. O Presidente passou a não ter mais compromissos com bandeiras que o elegeram, a última das quais foi a adesão ao Centrão, que a campanha presidencial chamava de “chaga de um Congresso corrupto”.
Paro por aqui ao repetir o que todos lamentamos. E volto ao que mais interessa nesta terça-feira, dia marcado para o julgamento de Dellagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público, à testa do qual estão amigos do Procurador Geral, que manteve declarações contra Dellagnol nos únicos itens de que ele poderia ser responsabilizado, todos a rigor irrelevantes e não aceitos por juízes qualificados do STF como Celso de Mello, que acaba de afagar o país suspendendo o processo. Para o decano (cuja vaga em breve será disputada pelo impensável Aras) “não se pode silenciar” o procurador que agora coordena a maior operação de combate a corrupção jamais vista por um país tão íntimo da roubalheira durante séculos. Celso de Mello, de imediato, conquistou o melhor da opinião pública. Os dois processos suspensos por Celso de Mello, logo apoiado por Luiz Fux, próximo Presidente do STF, foram aplaudidos por dezenas de emissoras de rádio e TV que procurei ouvir na tarde de terça.

Os dois processos principais contra Dellagnol foram movidos pelos senadores Katia Abreu e Renan Calheiros, cujos currículos não são precisamente virtuosos. A artilharia contra o acusado-inocente alegou miudezas não essenciais, como o afã do Procurador Geral em marcar o julgamento antes de finda a instrução, sem o interrogatório de Deltan.

Tudo isso dá prova ao país estarrecido pelo açodamento em penalizar o principal representante que titulariza a luta contra a corrupção, que levou às grades figuras poderosíssimas, fazendo retornar ao país milhões de dólares roubados. Bastaria isso para que o Presidente da República fosse o primeiro a blindar o agora perseguido por seu Procurador Geral.

O colunista Merval Pereira registrou no Globo as razões do julgamento de Dellagnol, incluindo a pena de advertência que lhe foi imposta como aperitivo para sua condenação e até afastamento da Lava Jato. Luiz Fux se houve admiravelmente ao retirar a advertência ao Procurador, prenúncio promissor da nova gestão do STF, sobretudo depois de decisões insensatas de Toffoli, presidente anterior.

A perseguição acompanhada pelo país contra Deltan começou em novembro de 2019, quando o CNPB, instado por Aras, resolveu aplicar a temida punição de advertência. O que foi objeto de repúdio de boa parte dos Procuradores da República. A senadora Katia Abreu, bem como o colega Renan, tinham como certo o afastamento imediato de Deltan, que acumularia também uma facada traiçoeira no peito de Sergio Moro. O Sr. Aras só pensa em disputar vaga no STF desde sua posse (contraditória, porque não incluído seu nome na tradicional lista tríplice, que provocou esperado mal estar na Instituição do Ministério Público, um instrumento de Estado, independente de Governos e de interesses pessoais e/ou políticos).

O Procurador Geral horrorizou as consciências limpas do país ao propor a pulverização da Lava Jato chamando-a de “correção de rumos”, em oposição a mínimos traços de transparência, empregando provas fragilíssimas, quando não cavalarmente risíveis, para destruir a Lava Jato. Especialmente se confrontadas essas perseguições aos benefícios que a Operação de Curitiba aportou ao país, seja como exemplo de que o crime não compensa, seja como – o fundamental e nunca ocorrido antes – o retorno da dinheirama roubada a seu legítimo dono, o Brasil Acima de Tudo.

A frase a seguir sintetiza parte da indignação cidadã – “foi a prisão preventiva (!) dos dirigentes das empreiteiras em novembro de 2014 que sepultou a corrupção do intocável Clube das Empreiteiras”. Sergio Moro – 2018.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin,  Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.