Por Aderson Bussinger –
A data mais importante para classe trabalhadora é, sem dúvida, o primeiro dia do mês de maio, o que, como é sabido, tem a ver com um longínquo maio de 1886, quando teve início uma grande greve geral em Chicago, nos EUA, contra as terríveis condições de trabalho naquele país, tendo como principal reivindicação a redução da jornada de 13 para 8 horas diárias, trazendo como consequência uma descomunal repressão, investida armada da polícia contra os manifestantes, com muitos mortos, feridos e detentos, sendo, ao final, sentenciados oito lideranças deste movimento, sendo três condenados á pena de prisão perpétua e os outros 5 encaminhados à morte. Posteriormente, décadas depois, todo este processo antisindical foi reconhecido como parcial e judicialmente nulo pelo próprio Estado americano, mas esta parte da história não é o tema específico deste texto.
O fato relevante é que esta data foi doravante adotada pelos trabalhadores de todo o mundo enquanto o dia de celebrar suas lutas, sendo proclamada como Dia Internacional do Trabalho, ou do Trabalhador, em 1889, durante a realização do Congresso da Internacional Socialista, instalado para comemorar os 100 anos da revolução francesa. Aqui em nosso pais , a data foi sempre igualmente motivo de celebração pelos trabalhadores, de forma independente, por vezes unitariamente, em outras nem tanto assim… mas sempre com o mesmo sentido de luta, apesar da influência estatal, visto que em 1925 o Presidente Artur Bernardes oficializou o 1 de maio como Dia do Trabalhador e, mais adiante, em 1943, o Presidente Getúlio Vargas, em plena ditadura do Estado Novo, fez uso da mesma data para lançar a CLT, com muitas conquistas consolidadas no Decreto 5.452/43, mas também portador de uma engrenagem jurídica de controle e engessamento dos sindicatos pelo Estado.
Fiz esta breve retrospectiva, para destacar o paradoxo que tivemos neste último 1 de maio, no qual, corretamente, o movimento sindical adotou uma postura cautelosa ao evitar aglomerações anti-sanitárias, enquanto vimos a extrema-direita liderar setores de classe média bolsonarista para realizar atos e concentrações humanas nas principais capitais do país, protagonizando uma barulhenta presença política nesta especial data que, confesso, nunca tinha visto, ou se ocorreu, foi muito diminuto, conforme saiu estampado em toda mídia, apesar da superestimação quantitativa por parte de seus organizadores, que inclusive usam fotos antigas para retratar os eventos.
Mas infelizmente, ainda que não massivo, foi um movimento real.
E porque digo infelizmente? Além do evidente comportamento contrário ás normas de prevenção á disseminação da Covid-19, no marco de 400 mil mortes, o fato igualmente nocivo, visceralmente retrogrado, foi assistirmos que, ao mesmo tempo em que liderado por políticos bolsonaristas e outros, inclusive, monarquistas, que notoriamente votam pela redução e extinção de direitos trabalhistas(o que por si só já desqualifica este movimento), se tratou, no seu conjunto, de atos pró-intervenção militar, leia-se pró-ditadura militar, de retomada do ideário de 1 de abril de 1964, o qual até hoje não foi cicatrizado e, pelo jeito, está muito longe de sê-lo.
A realização destas manifestações organizadas pela extrema-direita em todo o país, além de uma inusitada ousadia reacionária, nos traz muitas lições, sobretudo no momento que vivemos, em que não é novidade para ninguém que o projeto de restauração ditatorial segue em marcha, apesar das contradições e revezes que tiveram seus próceres com as decisões do STF ordenando a prisão de alguns de seus integrantes, investigação de financiamento público-privado de atos antidemocráticos e também a resistência que encontram na maioria da população em aderir a tal intento, o que pode ser aferido pelas pesquisas, que sempre apontam a existência de uma maioria que defende a democracia, rechaça o extremismo bolsonarista, apesar da constante margem de 30/35% de aprovação de seu governo, o que, entretanto, não significa apoio ao todo o “pacote autoritário”.
Mas o aspecto mais significativo destes atos da extrema-direita, para além da pregação golpista, é que eles acontecem em um dos momentos de maiores perdas da classe trabalhadora, a começar pelos cerca de 14,4 milhões de desempregados, segundo recentes dados da Pesquisa por Amostra de Domicílios Contínua(PNADC), do IBGE, que foram enxotados do mercado formal, e também a taxa de subutilização(desocupados e subocupados), na casa dos 29,2%, ao lado dos que, mesmo antes da pandemia, já se encontravam desalentados ou atuando na informalidade, “empreendedorismos”, uberização, e outras formas de sobrevivência, que, contudo, estão longe de serem considerados trabalhos minimamente remunerados com a dignidade necessária e prevista na Constituição Federal vigente. Há muita estatística consistente e séria sobre isto no site https://www.ibge.gov.br , com destaque tanto para a referida amostra, como também para os dados sobre os reflexos da covid-19 no mesmo site). E ainda some-se a isto o discurso do presidente da república, também nesta data, contrário a medidas de expropriação legal de terras utilizadas para o criminoso trabalho escravo que ainda persiste no Brasil.
Não poderia ser mais explicito em sua mentalidade escravocrata!
Acrescente-se também a tudo isto, que, segundo o Professor e sociólogo Ricardo Antunes, autor, dentre outros, dos livros “Uberização, trabalho Digital e Industria 4.0”(organizador), “Coronavirus: o trabalho sob fogo cruzado”, o mencionado “empreendorismo”,a disseminação das denominadas “plataformas digitais”, está causando ainda mais precarização do já depauperado mercado de trabalho brasileiro, com redução salarial e jornadas novamente de 12, 14 horas diárias, sem 13 salário, férias, descanso semanal remunerado, assistência médica, licença previdenciária em caso de ficar inativo, conforme foi denunciado nacionalmente pelo movimento “breque dos Aps” em 2020. Pois bem, é dentro deste contexto que, voltando ao movimento da extrema direita ocorrido neste último 1 de maio, devemos analisar e tirar conclusões de mais esta investida antidemocrática que vimos acontecer no Brasil, onde a presença do “binômio” antidemocrático e antissocial, sintetiza claramente qual o sentido e finalidade de tal iniciativa e manifestações decorrentes, para além do apoio a Bolsonaro, pura e simplesmente, mas o intuito maior de ganhar cada vez mais cérebros para esta agenda destrutiva que chega a ser capaz de, em plena pandemia, em data tão significativa, fazer a defesa do arbítrio, da destruição da CLT e o que ainda resta na constituição federal e legislação em prol da classe trabalhadora.
Caminhando já para o final deste texto, creio que o que aconteceu neste 1 de Maio, a tentativa da extrema-direita de se apropriar de uma data tão cara e sentida para a classe trabalhadora organizada,( diferente de Getúlio que usou a data para anunciar a concessões através da CLT) é um marco de uso deste símbolo para dar corpo e alma ao ideário neofascista no Brasil, que, felizmente, não contou com a participação da classe operária ou de setores populares, afora algumas presenças minoritárias destes setores explorados, tendo como principal base, no último sábado, a velha e iludida classe média urbana, acostumada em servir de instrumento pela extrema-direita e, depois, sofrer também as consequências com o decréscimo de seu nível de consumo e bem estar.
Foi um marco na história do país, um alerta, como também deve ensejar reflexões, em relação a ilusão de que somente “a volta do Lula” poderá tudo resolver, o que, (mesmo sabendo que um Governo do PT seria inegavelmente superior, em todos os sentidos, ao atual), temos, contudo, que estar atentos, todos nós, independentemente de ser ou não de esquerda, para o grave risco de consolidação de um setor de extrema-direita no Brasil, ideologicamente forte e armado condescendentemente pela política de liberação de armas e munições de Bolsonaro, com base militante nas polícias militares, milícias rurais e urbanas e setores religiosos antidemocráticos, o que, se vier a ter sucesso e enraizar-se socialmente, não haverá eleição de presidente da república, (mesmo sendo eleito um dos nomes da esquerda que o for), por si só, que afaste o gravíssimo risco de novamente acontecer o que já vimos acontecer de barbárie na história da ascensão do nazifascismo, principalmente na Alemanha, Itália e Espanha, guardadas as devidas proporções e nuances. Mas vamos em frente.
Com luta, não passarão!
ADERSON BUSSINGER – Advogado sindical, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, conselheiro da OAB-RJ, membro efetivo da CDH da OAB-RJ, membro do IAB, ABJD e ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). Colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, integra a Comissão Nacional eleita de Interlocutores do Fórum Nacional em Defesa da Anistia Constitucional.
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