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Nota da AJD – Associação Juízes para a Democracia, referente à violência contra jovens infratores do Centro de Socioeducação Professor Antônio Carlos Gomes da Costa (única unidade no estado do RJ para cumprimento de medidas socioeducativas para menores de idade do sexo feminino), que o Judiciário e Conselhos Tutelares tem o dever legal de fiscalizar e não o fazem como deveria, daí tanta violência e até mortes como tem sido noticiado.

Na sexta-feira (2) o secretário estadual de Educação, Alexandre Valle, exonerou o diretor-geral do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) e auxiliares. As demissões vieram depois que a Justiça determinou o afastamento de cinco agentes e do diretor da unidade por suspeita de abuso sexual contra adolescentes internas.

Confira a nota da AJD

Nota Técnica da Associação Juízes para a Democracia, NúcleA RJ.

A Associação Juízes para a Democracia/RJ, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana, e tendo em vista o que determina o artigo 90 da Lei Federal nº 8069/90, solicita aos Exmo. Senhor Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Exmo. Senhor Procurador Geral de Justiça e Senhores Conselheiros Tutelares do Rio de Janeiro, que façam respeitar, no âmbito de suas competências, o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta que rege o regramento do Estatuto da Criança e do Adolescente à vista da violência permanente praticada contra jovens em conflito com a lei, nas unidades sócio educativas do Estado do Rio de Janeiro.

Dentre tantas outras ofensas à integridade física e psicológica, recentemente foram noticiadas suspeitas de abuso sexual contra adolescentes internas do Degase, na Ilha do Governador, abuso esse que já era de conhecimento de alguns familiares e que ocorre em local onde, por previsão legal, deveriam ser oferecidas medidas socioeducativas para menores de idade do sexo feminino. Ressalte-se que já ocorreram outros abusos no sistema, até mesmo mortes de internos, sem que os responsáveis pela fiscalização tenham tomado qualquer medida preventiva.

Urgente a adoção de medidas de fiscalização a partir da observação da normativa internacional e do dever de proteção, especialmente por se tratar de população privada de liberdade com altíssima vulnerabilidade relacionada ao gênero e à idade, por se tratarem de meninas adolescentes. Neste sentido, a normativa internacional determina o dever de custódia e guarda de exclusiva responsabilidade de agentes do gênero feminino. Destacamos os itens 81.1 e 81.3 das Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos (“Regras de Mandela”), além dos Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, XX, a seguir reproduzido:

“Os locais de privação de liberdade para mulheres, ou as seções constituídas por mulheres nos estabelecimentos mistos, serão dirigidos por pessoal feminino. A vigilância e a custódia das mulheres privadas de liberdade serão exercidas exclusivamente por pessoal do sexo feminino […]”

Nesse sentido as Regras Mínimas de Beijing para a administração da Justiça da Infância e da Juventude:

26.2 Os jovens institucionalizados receberão os cuidados, a proteção e toda a assistência necessária social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram devido à sua idade, sexo e personalidade e no interesse do desenvolvimento sadio.

26.3 Os jovens institucionalizados serão mantidos separados dos adultos e serão detidos em estabelecimentos separados ou em partes separadas de um estabelecimento em que estejam detidos adultos.

Atente-se ainda para a existência de jovens que se encontram internados mesmo sem ter cometido ato infracional com violência, única hipótese legal de internação nesse tipo de instituição, e que estão sendo vítimas de exploração de trabalho infantil. Neste contexto, há violação do que estabelece a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre as piores formas de trabalho infantil: “Utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas.

Importante mencionar o conteúdo dos relatórios elaborados pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – MEPCT/RJ, relatórios advindos de visitas in loco à unidade CENSE PACGC ao longo de uma década, especialmente por parte do tratamento dado por agentes do gênero masculino, como por exemplo as cenas de violência física, verbal e sexual que acometem o cotidiano das adolescentes, eventos reiterados e intensificados ao longo dos anos, o que confirma o risco iminente, sem a exclusão do quadro atual de agentes, composto prioritariamente por homens, tanto nos cargos de gestão, quanto de custódia e segurança.

Os relatos de violência física, psíquica e sexual seguem sendo a centralidade nas narrativas das adolescentes, desde a primeira visita do MEPCT/RJ à unidade, em 2011. A maior parte delas praticadas por agentes socioeducativos do sexo masculino. Agressão física, xingamentos e assédio sexual ainda inundam os relatos das adolescentes. (Relatório da visita realizada pelo MEPCT ao PACGC no dia 26 de fevereiro de 2021, p. 12).

Como pode ser observado, o MEPCT/RJ denuncia que as adolescentes atendidas no CENSE PACGC se encontram, há pelo menos quase uma década, em situação de extrema violência física, verbal e sexual. O primeiro passo necessário à modificação do atual quadro generalizado de violações gravíssimas e sistemáticas aos direitos das adolescentes é que o Estado do Rio de Janeiro cumpra o legalmente exigido, mantendo-as sob guarda e custódia do mesmo gênero, visando a redução do risco iminente.

Os fatos narrados pelo MEPCT/RJ revelam que as violências praticadas nessas unidades são históricas e naturalizadas pelos que deveriam zelar pelo bem-estar das adolescentes. A perpetuação deste quadro repete o painel das desigualdades e violências estruturantes de uma sociedade patriarcal e, por consequência, misógina.

Cumpre notar que, além do imediato afastamento de todos os agentes masculinos, não somente dos autores das agressões, inclusive sexuais, exige-se a completa reestruturação e adequação dos quadros das unidades para assegurar a presença exclusiva de agentes mulheres nas unidades e o absoluto cumprimento das Regras Mínimas de Beijing para a administração da Justiça da Infância e da Juventude.

Diga-se ainda, que no Rio de Janeiro, o Departamento Geral de Ações Socioeducativas – DEGASE, tem apenas duas unidades destinadas a execução de medidas socioeducativas para meninas adolescentes e jovens: o Centro de Sócio Educação, Professor Antônio Carlos Gomes Da Costa – CENSE PACGC, voltado para o cumprimento de medida de internação/internação provisória; e um Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente – CRIAAD, para cumprimento de medida de semiliberdade.

Ante a complexidade das relações de violações e violências expostas, em acordo com as normativas internacionais, exigimos as providências, imediatas, para fazer cessar a possibilidade de reincidência do fato em denúncia, bem como do “estado de coisa inconstitucional”, adjetivação do Egrégio Supremo Tribunal Federal, a fim de que as unidades prisionais observem “os cuidados, a proteção e toda a assistência necessária social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram devido à sua idade, sexo e personalidade e no interesse do desenvolvimento sadio”.

Rio de Janeiro, 5 de julho de 2021
Núcleo Rio de Janeiro da Associação Juízes para a Democracia.


 

(Colaborou: Gabriel Pereira Fróes de Castro)