Por Kakay

“Criei em mim várias personalidades. Crio personalidades constantemente. Cada sonho meu é imediatamente, logo ao aparecer sonhado, encarnado numa outra pessoa, que passa a sonhá-lo, e eu não. Para criar, destruí-me; tanto me exteriorizei dentro de mim, que dentro de mim não existo senão exteriormente. Sou a cena nua onde passam vários atores representando várias peças.” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego)

Quando comecei a correr o país para fazer o enfrentamento da Lava Jato, apontando, escrevendo e debatendo os abusos da República de Curitiba, o então juiz Sergio Moro (União Brasil), chefe dos procuradores, era um semideus ungido pela grande mídia. Os integrantes do Ministério Público seguiam-no e obedeciam ao líder em posição constrangedora, subservientes. Ainda em 2015, eu já dizia que aquela operação era um projeto político e que visava ao poder. Tudo foi sendo comprovado ao longo do tempo.

Moro prendeu Lula e ajudou a eleger Bolsonaro. Recebeu como prêmio, mercadejando a toga, o Ministério da Justiça. Logo depois, a briga da quadrilha se aprofundou e eles romperam. O ex-juiz tentou ser candidato à Presidência da República; depois, a senador por São Paulo; agora, ao que tudo indica, vai tentando cavar algum espaço que melhor o representa. Em pouco tempo, o ostracismo será o seu destino. Triste figura, indigente intelectual e que ainda terá que responder por todo o estrago que fez ao país. Amparo-me no poema “Versos Íntimos”, de Augusto dos Anjos:

“Vês! Ninguém assistiu ao formidável 

Enterro de sua última quimera.  

Somente a Ingratidão –esta pantera–  

Foi tua companheira inseparável!  

Acostuma-te à lama que te espera!  

O homem, que, nesta terra miserável,  

Mora, entre feras, sente inevitável  

Necessidade de também ser fera.  

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!  

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,  

A mão que afaga é a mesma que apedreja.  

Se alguém causa inda pena a tua chaga,  

Apedreja essa mão vil que te afaga,  

Escarra nessa boca que te beija!”

Mas o maior legado do Moro consegue superá-lo em tudo que existe de ruim: é o fascista que ocupa a Presidência da República. Durante os quase 4 anos de governo, nós tivemos muitas oportunidades para nos livrarmos de Bolsonaro: a condução criminosa da pandemia, as frequentes instigações à quebra da institucionalidade, a tentativa de fechar o Supremo Tribunal, a exaltação perigosa à ruptura democrática, o armamento indiscriminado, a proliferação do ódio, a desestruturação de todas as conquistas civilizatórias e a volta da fome que aflige 33 milhões de brasileiros. 

Enfim, tivemos chance de aprovar o impeachment desse serial killer mais de uma centena de vezes. Por outro lado, os crimes comuns se avolumaram e esperamos ansiosamente, por anos, pela apresentação de uma denúncia junto ao Supremo Tribunal Federal para a necessária responsabilização criminal do presidente da República. 

Nada ocorreu, porque os poderes imperiais acumulados nas mãos do presidente da Câmara, no caso de impeachment, e nas mãos do procurador-geral da República, no caso de crime comum, se sobrepõem à vontade popular, aos anseios de uma nação e à consciência cívica e ética de um povo. Denunciei, por meses, a necessidade de afastar tais poderes imperiais, que não se coadunam ao sentimento republicano. Mas um Congresso cooptado preferiu render-se aos mistérios e às delícias do orçamento secreto. E o presidente da República abriu mãos dos seus poderes para manter-se no cargo. 

Durante esses quase 4 anos de Bolsonaro, o país degringolou: foram mais de 700 mil brasileiros mortos pelo vírus; o sucateamento da saúde, da educação, da cultura, da economia e da ciência; o culto ao ódio; a prepotência vulgar e vil de uns governantes incultos e bregas que isolaram o Brasil causando profundo constrangimento aos brasileiros fora do país. 

Um monte de ignorantes a nos envergonhar a ponto de o Brasil virar um pária na comunidade internacional. Perdemos a respeitabilidade, a força e o charme. Viramos um retrato da cafonice dos milicianos e dos novos ricos que se esbaldam à custa da miséria do povo brasileiro. E, na divisão que se instalou, nós nos descobrimos tristes, opacos e sem voz. Um fantasma do que já fomos. Como ensinou o mestre Carlos Drummond de Andrade: “Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”. 

Mas é chegada a hora de voltar a acreditar, de soltar nossos gritos contidos, de libertar a esperança e de resgatar nossos sonhos abandonados. Vamos tirar as mordaças que nos calam, rasgar as vendas que nos cegam e respirar fundo um ar que se tornou rarefeito. Vamos ter coragem de ser feliz de novo. 

Se não derrotamos o fascismo pelo impeachment ou pelo processo crime, nós o faremos com a única arma que nos resta e que nos faz fortes e poderosos: o voto! Será uma libertação, uma redenção e um sopro de vida a substituir tanta mediocridade, tanta miséria e tanta desgraça. 

No domingo (2.out.2022), vamos dizer não à barbárie e sim à civilização. E tem que ser no 1º turno, para não dar chance a esses vampiros de se alimentarem do sangue e da desgraça do povo brasileiro e voltarem a saquear nosso país. É no próximo domingo! Vamos todos nos armar com nossos títulos de eleitores e sacar nossos votos para o Brasil ser feliz de novo. Depende só de nós. Lembrando-nos do discurso digno do Lula, no dia da sua injusta prisão: 

“Não adianta tentar acabar com as minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não tem como prendê-las. … Eu não pararei porque eu não sou um ser humano, sou uma ideia, uma ideia misturada com a ideia de vocês. … O meu coração baterá pelos corações de vocês, e são milhões de corações. … Não adianta parar o meu sonho, porque, quando eu parar de sonhar, eu sonharei pela cabeça de vocês. 

Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais poderão deter a chegada da primavera. E nossa luta é em busca da primavera. … Minha mãe já fez o pescoço curto para ele não baixar, e não vai baixar, porque eu vou sair de lá de cabeça erguida e de peito estufado, porque eu vou provar a minha inocência.”

É Lula Lá! 

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros. Publicado inicialmente no Poder360.

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