Por Cid Benjamin 

O ideal seria que as manifestações da esquerda previstas para o Sete de Setembro fossem adiadas, transferidas para outro dia. Se isso não for possível, devem ser cercadas de cuidados para que não sirvam de estopim para provocações.

Que o presidente Jair Bolsonaro é um boquirroto inconsequente, todos sabem. Mas uma declaração dele nos últimos dias pode refletir um estado de espírito real. Disse Bolsonaro, referindo-se ao momento político: “Para mim há três possibilidades: a prisão, a morte ou a vitória”.

Ele fala como se estivesse a caminho de uma guerra. Já agora, a curto prazo.

O desgaste do governo se aprofunda de forma crescente. Isso se reflete no seu desempenho nas pesquisas, cada vez pior. E está claro aos olhos de todos, no cotidiano. Muita gente já prevê que o genocida sequer chegará ao segundo turno em outubro de 2022. Já não se fala mais em recuperação econômica, assunto predileto do Posto Ipiranga há alguns meses. A inflação vai às alturas. O desemprego bate recordes. A fome ameaça as famílias mais pobres e já há filas para se conseguir a doação de ossos em alguns açougues. A pandemia segue ceifando vidas, ao mesmo tempo em que se constata algo estarrecedor: a falta de vacinas tem relação direta com os esquemas de corrupção do Centrão e de militares.

Bolsonaro começou, então, a dar demonstrações de que não tem como meta recuperar o terreno no jogo institucional. Seu objetivo imediato não é mais reverter esse quadro desfavorável para se tornar competitivo nas eleições presidenciais.

Tudo indica que acionou o plano B. Estimula abertamente a compra de fuzis pela sua gente. Trabalha para aglutinar e radicalizar seu núcleo duro: policiais, integrantes das Forças Armadas, milicianos, grileiros, madeireiros, garimpeiros, caminhoneiros, fazendeiros e fascistas em geral. Em vez de ter em vista a eleição do ano que vem, quer criar confusão para conseguir o estado de sítio, mobilizar a Força Nacional ou trazer o próprio exército para a linha de frente, com a aplicação canhestra do artigo 142 de Constituição.

Se as ameaças de parar o país no Dia Sete de Setembro com o apoio de caminhoneiros, o indefectível Roberto Jefferson e o cantor de chapelão de vaqueiro, feitas há 15 dias, deram uma esvaziada, a possibilidade de que ele crie um quadro de confusão na sociedade para justificar uma intervenção armada é real.

Não é impossível que haja ataques ao Supremo Tribunal Federal ou ao Congresso, num quadro em que parte da polícia cruze os braços (a outra parte, à paisana, até participaria da baderna), enquanto o Exército ficaria nos quartéis, como ocorreu no golpe contra Evo Morales na Bolívia.

Se esse cenário não se der no Dia da Independência, estará dentro das possibilidades daqui por diante. É bom que não haja ilusões. E não só dentro das possibilidades. Dentro também dos planos de Bolsonaro.

François-René Moreaux: “A Proclamação da Independência do Brasil”, 1844. (Reprodução)

As circunstâncias que possibilitariam um golpe como o de 1964 não existem. Não há apoio substancial na população. A maior parte do grande capital não estaria a favor. Os porta-vozes mais importantes da burguesia, como suas instituições representativas e a grande mídia, não apoiariam. Não haveria sustentação expressiva no plano internacional. Isso tudo faz com que não esteja no horizonte um golpe com a consistência, o apoio social e a duração daquela quartelada.

Mas, e se for um golpe diferente? Pode ser afastada a hipótese de uma provocação que deságue numa virada de mesa, suspendendo as garantias constitucionais, e num golpe com o pretexto de restabelecimento da ordem (atacada pelos próprios bolsonaristas)?

Se isso ocorrer, ao lado do ataque imediato à institucionalidade e da tentativa de interrupção do processo eleitoral de 2022, é possível que haja uma escalada repressiva contra o movimento popular, seus líderes e suas entidades.

Evidentemente esse risco não pode significar que as forças democráticas e a esquerda abandonem as ruas daqui em diante. Mas deve nos levar a um cuidado especial para não facilitar as coisas para que Bolsonaro crie confusão e baderna.

O ideal seria que as manifestações da esquerda previstas para o Sete de Setembro fossem adiadas, transferidas para outro dia. Se isso não for possível, devem ser cercadas de cuidados para que não sirvam de estopim para provocações. Isso significa que devem ser curtas e distantes dos atos realizados pelos bolsonaristas.

Na política e na vida é preciso ter em mente onde se quer chegar. Já advertia Sêneca, pensador romano contemporâneo de Cristo: “Se o navegante não sabe aonde quer ir, não importa a direção do vento”.

Precisamos saber para onde vamos e o que queremos com as manifestações, para que possamos aproveitar a direção dos ventos da democracia.

Não podemos dar de bandeja para Bolsonaro o que ele quer para criar confusão e promover um golpe.

Ou, usando uma expressão empregada pelos jovens antigamente: “Não podemos dar mole pra Kojak”.

CID BENJAMIN foi líder estudantil nos movimentos de 1968, participou da resistência armada à ditadura e foi dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Libertado em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha, passou quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil em 1979, foi fundador e dirigente do PT e, depois, participou da criação do PSOL. É jornalista, professor e autor dos livros “Hélio Luz, um xerife de esquerda” (Relume Dumará, 1998), “Gracias a la vida” (José Olympio, 2014) e “Reflexões rebeldes” (José Olympio, 2016). Organizou, ainda, a coletânea “Meio século de 68 – Barricadas, história e política” (Mauad, 2018), juntamente com Felipe Demier.


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