Por Pedro do Coutto –

Uirá Machado e Paula Soprana, reportagem publicada na edição deste domingo na Folha de S. Paulo, aborda o fato de que, segundo o Datafolha, 10% dos eleitores e eleitoras do país decidiram a escolha de seus candidatos à Presidência entre sábado e domingo. Uma parcela, inclusive, resolveu a escolha a poucos metros das urnas.

A pesquisa é importante e acentua uma tendência que tem ocorrido nos últimos anos quando os eleitores e eleitoras caminham para assinalar os seus votos nas urnas eletrônicas. A reportagem não liga o fenômeno das diferenças entre os números da pesquisa do próprio instituto com os votos que surgiram nas urnas de domingo.

CONEXÃO –  Portanto, ela constata uma realidade, mas não propõe que essa seja uma explicação para as diferenças registradas. Quem está conectando uma coisa à outra sou eu, usando o argumento de que 10% (portanto, 13 milhões de votantes já descontada a abstenção), deixaram a sua decisão entre o anoitecer de sábado e a alvorada do dia seguinte. Não há dúvida quanto a isso, sobretudo no que possa ter representado de alteração de voto.

Mas as alterações de votos ocorridas não se voltaram para uma única direção, isso não faz sentido. As alterações ocorreram em vários rumos, havendo casos em que tais mudanças compensaram a si mesmas. Por exemplo, no dia de eleição alguém mudou de voto de Ciro Gomes para Lula, mas no mesmo momento, alguém alterou o voto do mesmo Ciro para Bolsonaro.

Cito um exemplo teórico de Ciro Gomes porque de fato foi ele o candidato mais enigmático das eleições deste ano. Não deixou claro, inclusive, se preferia Lula ou Bolsonaro. Não me refiro em matéria de enigma ao Padre Kelmon que emergiu das sombras porque sua condição religiosa, segundo me parece, encontra-se sob dúvida. Mas esse é outro assunto.

TEMAS IMPORTANTES – A reportagem de Uirá Machado e Paula Soprana, muito boa, aliás, inclui também um quadro que resulta de levantamento do próprio Datafolha sobre os temas mais importantes para o eleitorado no segundo turno de 30 de outubro. Despontam a defesa da democracia, o combate à corrupção, os direitos trabalhistas, a redução do desemprego e a defesa das minorias, que inclui vários aspectos, entre eles o preconceito racial e o que focaliza o comportamento sexual das pessoas. Os temas, portanto, são essenciais para a população na busca pelo voto decisivo.

Nas eleições deste ano, Dorrit Harazim e Bernardo Mello Franco, O Globo de domingo, colocaram com total clareza que se encontra em jogo o próprio destino do país nos próximos anos e talvez nas próximas décadas. O confronto, no fundo da questão, situa-se entre o regime democrático e a autocracia.

Pode-se considerar um choque entre direita e esquerda, talvez. Mas essa conotação é simplista, pois afinal de contas o que significa ser de esquerda ? Não está em jogo o direito à propriedade. Não está em jogo a estrutura do capitalismo, pelo contrário. Caso não, FHC, Pedro Mall, Armínio Fraga, Edmar Bacha, André Lara Resende não teriam assinado documento de apoio à candidatura de Lula.

PROBREFOBIA – É possível que alguém considere o outro como de esquerda se este defende a valorização dos salários, a igualdade de remuneração entre homens e mulheres, os direitos trabalhistas de modo geral, por exemplo ? Ser de esquerda não significa somente ser contrário à pobrefobia assumida pelo ministro Paulo Guedes.

Guedes e Bolsonaro. (Mauro Pimentel/AFP)

Ser de esquerda, ao que parece, é participar de um posicionamento reformista no que se refere às relações entre capital e trabalho. O encontro entre trabalho e capital integra a lista das próprias contradições humanas, embora, na verdade, seja mais fácil de resolver, pois as diferenças entre existência e eternidade, matéria e espírito, um sinal de mais e um sinal de menos, são situações críticas eternas.

Mas a relação entre capital e trabalho é uma tentativa de harmonizar a espécie humana consigo mesma, mantendo-se totalmente a propriedade e assegurando a todos a liberdade de viver e existir. Este, a mim parece, um princípio básico do cristianismo, pois o cristianismo não pode ser socialmente conservador, senão isso seria apagar do sinal dos tempos o surgimento de Jesus Cristo e sua luta contra o poder.

Maior figura da humanidade, divisor do tempo entre e depois dele.

PEDRO DO COUTTO é jornalista.

Enviado por André Cardoso – Rio de Janeiro (RJ). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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