Por Lincoln Penna

O próprio conceito de verdade objetiva está desaparecendo do mundo…Esta perspectiva me assusta muito mais do que as bombas. (Georges Orwell)

Eric Arthur Blair, um cidadão britânico nascido na Índia, cujo pseudônimo o tornou mais conhecido, foi um admirador de Winston Churchill embora não concordasse com a sua política e as suas ideias. Mas, o admirava pela defesa da Inglaterra e do mundo diante das ameaças de Hitler. Escrevera, então, o livro Fascismo e Democracia, editado em 1941 já com a guerra tendo se iniciado, em que defendia a democracia “burguesa” como acentuava à qual preferia do que o totalitarismo nazifascista.

Orwell participou ao lado dos republicanos como integrante das brigadas internacionais da Guerra Civil Espanhola (1936/1939). Nesta oportunidade teve o dissabor de ver um confronto dentre as forças antifascistas a envolver os brigadistas sob orientação de Moscou e da Terceira Internacional, e os representantes do POUM de tendência trotskista, portanto da Quarta Ineternacional. Neste momento passou a dar importância à democracia como instrumento unificador da diversidade que ela pode representar para barrar os intentos voltados contra ela.

O que chama a atenção desse livro é a percepção de que surgia em paralelo às intenções belicistas do alto comando alemão uma tendência a criar uma narrativa para a humanidade, o que nos obriga a fazer um paralelo quase inevitável com o que se passa em nossos dias. Os valores civilizatórios estão sendo carcomidos por concepções que resistem às inovações e aos avanços científicos e derivados do bom-senso para se apegarem a tradições irracionais desprezíveis em todos os sentidos.

Nesses últimos anos têm crescido o desprezo não somente em relação à democracia, já àquela época presente nos discursos voltados para a intervenção do Estado de forma absoluta e em nome de uma nação soberana. Essa verdadeira pregação antidemocrática, tanto do passado quanto a de hoje, tem arrastado muita gente convencida de que os supostos e eventuais erros cometidos recentemente podem e devem ser erradicados pela força. Não apenas a força das armas, mas a de um conjunto de proselitismos falsos a contagiar as massas que se veem sem rumo.

Antes atribuídos a marqueteiros, a propaganda política dos grupos que apostam nas críticas ao funcionamento das democracias liberais, muitas das quais conforme acentuou Orwell com razão, para desacreditar e finalmente fulminar o conjunto das liberdades democráticas. Às vésperas do reconhecimento geral de que o regime nazista tinha o propósito de construir uma nova ordem mundial na qual todas as nações estariam subjugadas pelo Terceiro Reich era comum nas esquerdas as críticas à democracia, mal sabendo que estavam dando corda ao nazismo.

O autor de 1984 e a Revolução dos Bichos já dizia nesse livro intitulado Fascismo e Democracia, que um dos passatempos mais fáceis do mundo era desconstruir a democracia. Poucos, no entanto, entendiam que a crise que se espalhava mundo afora era resultante do modo de vida fundado numa economia cuja lógica era ditada pelo capitalismo, este sim o responsável pela Grande Depressão, que se manteve viva ao longo da década de trinta. Daí, o recurso à guerra, logo às bombas, foi um passo inevitável dentro do espírito que moldava as lideranças mundiais.

O contraponto ao nazismo ou mais precisamente ao nazifascismo não foi a democracia burguesa, ela própria susceptível de críticas em razão do desemprego e ao apego à lógica do capital, mas os partidos comunistas tendo à frente a URSS, igualmente opositora dessa democracia em vigor nos países que se preparavam para se defender da agressividade do regime hitleriano. Mesmo se integrando à Aliança contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), os soviéticos viriam a defender mais a força dos argumentos bélicos do que a rebater o discurso antidemocrático.

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Agora passados cerca de oito décadas e meia é necessário que tenhamos o cuidado de não permitir que equívocos ocorridos no passado que não este tão longe assim venham a trazer de volta, na mais odiosa regressão, o espectro do fascismo. Se ele foi e tem sido o recurso usado pelos grandes capitalistas a monitorar as nações que se mantêm atreladas ao modo capitalista de produção, é tempo de refazer a lógica.

A mesma lógica que tem privilegiado os ganhos de capital e não os avanços sociais, científicos e culturais, fora os de cunho libertador, para se reimplantar regimes que oprimem e massacram os povos dos mais distantes rincões da Terra. Trata-se de uma tarefa humanitária e que contém um elemento indispensável para que todos os povos tenham garantida a segurança de suas soberanias nacionais irmanadas em um movimento aglutinador em defesa de suas identidades.

Esse apelo e ao mesmo tempo uma advertência faz o mesmo sentido daquela enunciada por Orwell. Ele havia feito a denúncia do ataque à democracia, porém não obteve o mesmo respaldo que esperava de um povo descrente da força persuasiva de um tirano. Com isso prosperou a mente onipotente e de fundo psicopata vinculado à lógica capitalista, mesmo que aparentemente condenando o liberalismo, o que levou o mundo à tragédia da Segunda Guerra Mundial.

Logo, acreditar na democracia é desde já um elemento de resistência contra todas as motivações totalitárias que emergem nos momentos mais tensos que se sucedem provocadas pelas crises cíclicas e continuadas de uma economia de mercado que só contempla os apaniguados rentistas. Incluir a democracia através de adjetivações como burguesa ou liberal é dar guarida aos que pregam a sua destruição.

Aos que sustentam a democracia social, socialista e comunista vale uma observação. É da democracia que historicamente se construiu que precisamos partir dado que ela, a democracia, é um processo em construção. Um dia ela tenderá a contemplar a todos os povos e as todos os seres humanos libertos para ser o que quiserem ser, sem as amarras da censura e das demais formas de opressão.

É essa democracia objetiva a qual se referiu Orwell que nos interessa defender e construí-la a cada tempo e lugar, até porque é a única arma dos povos contra a fúria dos opressores armados ou não, mas sedentos sempre de se valerem do poder que ostentam.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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