Por Lincoln Penna

O que está acontecendo em Manaus é o alerta que precisa ser levado a sério. Ou a sociedade como um todo dá início imediatamente à organização de um mutirão em apoio e socorro às regiões mais afetadas pela mais nova variante do vírus da covid 19 ou mergulhamos todos no caos. Mais do que uma advertência, trata-se de uma clara evidência que vem tomando corpo e sacrificando vidas em face da inércia de um governo que apostou no negacionismo e de uma sociedade que permanece desmobilizada e na espera de iniciativas de autoridades sem sucesso.

A pandemia ainda permanece no imaginário popular como algo que acontece com os outros. Para muitos, infelizmente, o contágio se deve exclusivamente a atitudes irresponsáveis, que existem de fato, mas não se resume a isso. Há, por certo, uma demonstração de despreparo de todos os organismos sociais, de entidades e associações que congregam filiados, sócios, membros sindicalizados, que apesar de se organizarem com vistas aos seus pleitos corporativos nessa hora precisavam agir com o objetivo de se criar redes capazes de congregar cidadãos para a defesa da saúde do povo brasileiro nessa hora tão angustiante.

Escrevi em um de meus artigos, que o governo é conduzido pelo caos, em razão do pouco caso que tem dado às ameaças de uma crise sanitária que ultrapassou todas as piores expectativas. E que essa atitude não era somente o exemplo da incapacidade de gestão pública, mas conformava um projeto a conduzir o país ao caos. Apesar da mudança de governantes que antes da expansão do vírus chegavam a negar e até ridicularizar os alertas quanto à necessidade de medidas protecionistas através de protocolos difundidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esses dirigentes se tornaram finalmente favoráveis a tais atitudes preventivas.

O governo brasileiro permanece indiferente a adoção de tais medidas. Aposta na barbárie diante da necessidade de se reconstruir a civilização tão maltratada e indiferente à sociabilidade, tão necessária hoje em dia.

Ao deixar para a última hora a organização da operação de imunização no território nacional, ao não demonstrar urgência na aquisição das várias vacinas que já tem sido aplicadas a inúmeros povos no mundo inteiro, ao diabolizar as iniciativas da mídia em buscar as razões do desinteresse objetivo dos governantes do Planalto, através do deboche vocalizado pelo presidente fanfarrão, a sociedade brasileira em seus vários segmentos sociais demonstra a perplexidade e ao mesmo tempo a ignorância quanto as consequências de governantes incapazes de darem respostas mais céleres às providências que o caso exige.

Lembrava quando da irrupção mais acelerada da pandemia entre nós em meados de 2020, que era preciso a criação à época de uma Frente Ampla Sanitária Contra a Covid 19. Seria uma forma de engajamento da sociedade civil organizada para subsidiar os governos estaduais e o federal no combate á ação do vírus. A adesão ao enfrentamento do combate à disseminação da doença no país tinha, por outro lado, a faculdade de isolar os negacionistas e o discurso oficial a pregar a importância da pandemia. Agora, não. Ou arregacemos as mangas e nos unimos mais do que nunca para agir através de iniciativas coletivas na trincheira pela vida e proteção às populações mais vulneráveis e desassistidas, ou o caos, como projeto se torna vitorioso.

Pela preservação da vida não há espaço para refregas político-partidárias e muito menos ideológicas, embora elas estejam presentes na inevitabilidade da vida em comum, sobretudo em sociedades tão desiguais como a nossa. Mas, dar-lhes prevalência é uma decisão de implicações inúteis, e a essa altura inoportunas e inconvenientes, porque algo maior nos espera, caso nos mantenhamos sem disposição para agirmos. A covid 19 pode vir a ser o anúncio que a humanidade deve estar atenta para o futuro imediato, caso não se tome decisões radicais no nosso modo de vida. Com o sistema que temos e com as pragas comportamentais que incorporamos ao nosso cotidiano, dias piores virão. Infelizmente.

A boa esperança está na luta por um futuro radioso, mas isso precisa ser construído pelo povo consciente, organizado e determinado.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional; Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.