Por Carlos Mariano

Começamos a semana, lamentando profundamente, a perda de dois notáveis poetas do mundo do samba: Flavinho Machado, um dos mais talentosos compositores da cidade de Niterói, que nos deixou no último domingo dia 8, e no dia seguinte, o lendário Djalma Sabiá, nada mais, nada menos que um dos baluartes fundadores da academia do samba – o Acadêmicos do Salgueiro.

Flávio Jorge Souza Machado, poeta niteroiense, é filho de sambistas. Sua mãe, Rosa Souza Machado, foi fundadora da escola de samba Sabiá, primeira campeã do Carnaval de Niterói. Seu pai, Florentino Marques de Souza, era folião da Corações Unidos, escola do bairro da Engenhoca, que também brilhou nos áureos tempos do carnaval de Niterói.

Com esse DNA de sambista, Flavinho começou sua trajetória como excelente compositor de samba-enredo, na escola de samba Império de Niterói no ano de 1972, quando assinou o belo samba da escola “Descobrimento do Brasil”.

Mas, sua afirmação como grande poeta do mundo do samba se deu no Acadêmicos do Cubango no fim da década de 1970, quando não só solidificou sua brilhante carreira de musicista, mas como também, se revelou um grande intérprete de voz singular. Com timbre melodioso, Flavinho inaugurava uma espécie de “escola” de sambistas no Carnaval de Niterói. É na voz de Flavinho que ouvimos o maior samba da história da Cubango: Afoxé, de 1979. Ele, que também fez sucesso no Carnaval do Rio de Janeiro, foi compositor e intérprete da Estação Primeira de Mangueira. Em 1982, com o enredo “As mil e uma noites Cariocas” assinado pelo genial carnavalesco Fernando Pinto. Nele, Flavinho, teve a companhia do grande parceiro, Heraldo Faria, e também de Tolito da Mangueira. E, em 1983, com “Verde que te quero rosa, semente viva do samba”, que compôs com Heraldo Faria e Geraldo Neves.

A grande parceria entre Flavinho Machado e Heraldo Faria surgiu na Cubango no fim dos anos de 1970, e se transformou numa espécie de Lennon e MacCartney do samba-enredo. Na verde branco a dupla produziu, pelo menos, três clássicos para escola: “Fruto do amor proibido”, de 1981, “Por que oxalá usa ekodidé”, que levou também a assinatura de Jair, de 1984. E “Ave Bahia cheia de graça”, de 1988.

Contudo, a dupla Flavinho e Heraldo mostrou-se ainda mais diferenciada, quando foi para a grande rival da Cubango, a Unidos do Viradouro, disputar samba-enredo e, como na verde branco, fez grandes obras e, como era de se esperar, ganhou as disputas de samba. Todos nós sabemos como é histórica a rivalidade entre Cubango e Viradouro pela hegemonia do Carnaval niteroiense. Mesmo assim, a dupla enfrentou o desafiou e brilhou na ala de compositores da vermelho e branco do Barreto, ganhando lá, também, todo respeito e admiração de todos. A dupla assina, ao lado de Dominguinhos do Estácio e Mocotó, o samba que deu o primeiro campeonato à Viradouro no Carnaval carioca: “Trevas! Luz a explosão do universo”, de 1997.

Outro falecimento muito triste para o mundo do samba foi a ida do lendário Djalma Sabiá para o panteão dos imortais do samba. Djalma Oliveira da Costa ganhou o apelido de “Sabiá” em virtude das suas habilidades como jogador de futebol nas peladinhas no morro do Salgueiro. Dos campos alçou voos no samba. Foi um dos fundadores Acadêmicos do Salgueiro, com ata assinada e tudo! – inclusive, o documento se encontrava em seu poder até sua morte.
Djalma é considerado, ao lado Geraldo Babão, Duduca, Antenor Gargalhada, os “gênios do Salgueiro” – como era conhecida a ala de compositores e poetas do morro do Salgueiro, no início da trajetória da Vermelho e Branco, nos anos de 1950.

“Navio Negreiro”, samba-enredo de 1957, do Salgueiro, foi o segundo assinado por Sabiá na escola, que teve parceria de Arnaldo Régis. A canção, uma obra-prima do samba-enredo, é especial, principalmente, por sua melodia que, diga de passagem, era o ponto forte dos sambas que tinham a pena de Sabiá. “Navio Negreiro” é, inclusive, considerado por muitos pesquisadores uma espécie de documento inaugural da escola de samba elegendo o negro para protagonista das narrativas do samba-enredo. “Chico Rei”, de 1964, é outro clássico do gênero negro assinado por Sabiá em parceria com Geraldo Babão e Binha.

O último samba do mestre Sabiá, que o Salgueiro levou para a avenida foi “Valongo”, de 1976, no qual Djalma assina sozinho a obra. Esse samba não é muito lembrado pela opinião pública, mas considero sua narrativa muito interessante. A letra de “Valongo” se diferencia muito das narrativas sobre o negro dos outros sambas dessa época. A canção, retratada na bela dissertação poética de Sabiá, não relata apenas a escravidão que armazenou e matou milhares de negros e negras vindos de África, mas, também faz uma metáfora poética da luta dos negros por sua liberdade.

Isto fica bem evidenciado no refrão principal do samba de Sabiá: “quando o tumbeiro chegou, o negro se libertou”. O samba salienta mais a força das rebeliões que tinham nos navios negreiros do que a dor e perda de vidas. É uma narrativa que quer salientar a vitória e afirmação do negro e não o sofrimento como a maioria dos sambas da época retratava.

Tanto Flavinho Machado quanto Djalma Sabiá são exemplos de como o compositor faz a diferença e é a razão de ser da existência de uma escola de samba.

Vão os homens, ficam os imortais.


CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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