Por Lincoln Penna

As condições de vida do povo estão muito difíceis. Tempos duros, porque está problemático manter minimamente a dignidade e desfrutar o prazer. Entramos de vez no estado de miserabilidade, que não se resume ao número crescente de pessoas vulneráveis, incapazes de prover suas necessidades básicas, mas aos que também têm perdido a fé nas esperanças de um futuro melhor.

O neoliberalismo anunciado como a solução para os problemas da humanidade se encontra hoje em dia totalmente desacreditado, até mesmo pelos que no passado recente o tinham como o caminho a ser trilhado para que a economia entrasse definitivamente nos eixos do mercado, naturalmente. E este nos conduziria finalmente ao estágio do bem-estar desejado por todos.

Os países cujas classes dominantes assumiram essa aposta e passaram a bancar as políticas neoliberais em pouco tempo passaram a enfrentar os seus desastrosos efeitos. A lista é grande, mas basta exemplificar o caso do Chile. Adotado pela ditadura do general golpista Augusto Pinochet de triste memória, numa combinação de repressão bárbara com os remédios amargos dessa teoria econômica neoliberal, os resultados até hoje têm produzido uma única e terrível conseqüência: a miséria de grande parte de sua população. As manifestações de rua em plena pandemia que vêm ocorrendo naquele país são reveladores da justa indignação popular.

O Brasil não está muito atrás em termos de perdas continuadas em face da adoção de políticas neoliberais, que começaram timidamente há alguns anos e se aceleraram mais recentemente com Michel Temer e Jair Bolsonaro. Este a procurar reunir a fórmula chilena dos tempos de Pinochet, ao adotar na área econômica e financeira a política neoliberal com o seu desejo mais do que manifesto de agressão às liberdades democráticas que resistem aos seus apelos saudosistas da ditadura.

Essa combinação tem sido um embate permanente no governo do capitão da reserva. Nesses últimos dias, o seu ímpeto vocacional para ditador com aval popular – desejo incontido – pode e deve reduzir o receituário neoliberal não por convicção crítica, mas porque as soluções previstas têm afetado boa parte de sua base eleitoral o tem feito resistir ao cumprimento do que determina o senhor mercado.

Nessa queda de braço o lado saudosista do A.I-5 pode vir a tornar-se mais poderoso.

Incapaz de resolver os problemas básicos da população, ao retirar direitos conquistados pelos que vendem sua força de trabalho e ao reduzir drasticamente o papel do Estado, como aconteceu no Chile, a economia neoliberal tem se demonstrado capaz tão somente de produzir misérias, que em sociedades desiguais e de instituições carentes de autonomia e credibilidade forma uma tempestade perfeita para eventos imprevisíveis, com uma única certeza: o seu alto custo social para as pessoas mais humildes, sem renda e indefesas diante do caos instalado.

Em curto espaço de tempo não há alternativas do ponto de vista da imediata superação desse quadro. O neoliberalismo é ou tem sido uma saída para a crise crônica do capitalismo, seja no campo econômico que tem se afigurado como nefasto e incapaz de resolver os problemas acumulados das grandes massas da população, seja para conter o avanço de alternativas não capitalistas necessariamente de caráter socializantes. E sua insistência nos governos articulados e conduzidos pela lógica do capital só tem feito aumentar a miséria. Se a miserabilidade é o estado da miséria a afetar a vida dos indivíduos que padecem das condições dignas de vida, o neoliberalismo em sua fase agônica representa efetivamente a economia da miséria.

O seu avanço destrutivo não se limita, no entanto, à área econômica. Agride outras áreas que são, pela sua lógica, consideradas dispensáveis ou secundárias, quando muito, tais como a Cultura em suas diversas manifestações. Assim, o desprezo por essa área em países emergentes como o Brasil ganhou ultimamente a mais inequívoca demonstração, particularmente no governo que se constituiu, entre outras coisas, para deslocar esse setor das prioridades governamentais. De pronto, transformando o ministério em secretaria, o que por si só é bem evidente quanto à importância que dá às nossas tradições culturais. Se não é um “ativo” que conte para o neoliberalismo é lícito, segundo os seus ideólogos, cortar suas asas.

Miséria de uma economia, miserabilidade de seus cidadãos, pobreza e indigência no campo de nossa rica diversidade cultural, abandono de projetos estratégicos na área acadêmica, e o próprio sucateamento das instituições públicas e, agressões ao meio ambiente e à soberania nacional, são sínteses certamente incompletas do mal que tem sido perpetrado e realizado pelo neoliberalismo que nos assolou.

Cabe a reflexão dos que não se abateram com tantas ameaças à integridade do povo brasileiro: não se curvar diante das adversidades, mas encontrar caminhos de superação.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.