Por Jeferson Miola

A Câmara dos Deputados aprovou [14/9] o Projeto de Lei nº 4438/2023, que promove sérios retrocessos em relação às normas eleitorais vigentes. No entanto, para valer já a partir da eleição municipal de 2024, o Projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado.

Ao invés de avançar o sistema eleitoral para garantir a paridade de mulheres e pessoas negras na política, os retrocessos da Câmara aprofundam ainda mais a enorme desproporção da representação parlamentar dessas maiorias sociais.

Na realidade, como denunciou a intelectual Cida Bento, a proposta representa uma reação da hegemonia branca à “onda negra” que ganhou impulso nas eleições de 2020 e 2022, quando se observou o crescimento de mulheres e pessoas negras eleitas sob a vigência de regras eleitorais mais democráticas em relação a cotas de candidaturas e verbas do Fundo Eleitoral.

Este projeto não pode prosperar. Para isso, a sociedade precisa pressionar para que o Senado não corrobore esta iniciativa que aprofunda a desigualdade política e reforça o apartheid racial e a exclusão das mulheres da política e dos espaços de poder.

As mulheres, embora maioria de 53% na sociedade brasileira, ocupam apenas 15% das cadeiras do Congresso Nacional, ao passo que as pessoas pardas e negras, maiorias demográficas com 56%, ocupam menos de 26%, mesmo considerando as burlas de políticos brancos oportunistas que se autodeclaram pardos em busca de vantagens de financiamento de campanhas, atitude que aumenta falsamente o percentual desse segmento.

A sub-representação de mulheres e negros na política deriva de vários fatores, com destaque para as dificuldades impostas pelas regras vigentes, concebidas exatamente com o propósito deliberado, ainda que disfarçado, de impedir o aumento dessa presença na política e no poder.

Considerando-se, portanto, o peso dessas regras, assim como o crescimento lento do número de mulheres eleitas a cada eleição, estima-se que seriam necessários mais de 120 anos para se alcançar a paridade de gênero na Câmara de Deputados e no Senado Federal.

No âmbito dos poderes locais/municipais, esta estimativa é ainda mais desalentadora.

No relatório Desigualdade de gênero e raça na política brasileira [2022], a Oxfam e o Instituto Alziras estimam que, a se manter o ritmo atual, o Brasil levará “144 anos para alcançar a paridade de gênero nas prefeituras brasileiras. Já a equidade racial no poder executivo municipal levaria cerca de 20 anos”.

A mudança que o Congresso precisa fazer com urgência no sistema eleitoral brasileiro deve ter como objetivo aumentar – e não diminuir – a já débil proporção de mulheres e negros nos legislativos, na política e nos espaços de poder.

Discutem-se várias formas para enfrentar esta problemática. O voto em lista partidária é uma delas. É um sistema de votação eficaz, que favorece a paridade de raça e de gênero na representação popular.

O benefício do voto em lista partidária é imediato; não será necessário se esperar mais de 100 anos para o Brasil alcançar a igualdade de representação nos legislativos.

Isso porque o sistema de votação em listas de candidaturas formadas com paridade de raça e gênero e ordenadas de modo alternado –entre mulheres e homens, e pessoas brancas e não brancas–, naturalmente asseguram maior equilíbrio de representação.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que adotam o voto nominal. A candidatura nominal, baseada na concorrência individual, enfraquece o sistema partidário, produz distorções e ofusca o debate sobre alternativas programáticas. Além disso, também estimula uma competição nefasta e destrutiva no interior dos próprios partidos políticos.

A experiência internacional mostra que nos sistemas eleitorais com listas de candidaturas partidárias, paritárias e alternadas pelo critério de gênero, a representação popular é mais equilibrada e espelha a realidade demográfica do país.

No Brasil, além da alternância por gênero, as listas também precisam observar a alternância por raça.

A adoção do sistema de votação por listas partidárias –paritárias e alternadas– é a mudança eleitoral mais urgente que o Congresso deveria promover, ao invés dos retrocessos contidos no PL 4438, que aprisionam o país ao atraso.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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