Por Jeferson Miola –
O prazer e o entretenimento dos humanos com o apelativo, o escatológico e o trágico são inerentes à natureza humana. Os algoritmos das redes sociais são programados justamente para explorar e rentabilizar ao máximo esse sentimento.
O Coliseu de Roma, construído na Antiguidade entre o ano 72 d.C. e 80 d.C., era um grande teatro onde mais de 80 mil pessoas se reuniam para sessões de divertimento e êxtase com o dantesco e com o pior martírio que a perversão humana é capaz de inventar.
Depois que se se tornaram “menos apelativos” os espetáculos em que leões e outros animais ferozes devoravam seres humanos, a queima de pessoas passou a ser a “nova atração” do Coliseu.
Nos espetáculos noturnos, cristãos vestidos com túnicas empapadas com substâncias inflamáveis eram queimados e se transformavam em tochas luminosas do Coliseu. O balé de corpos contorcidos em dor, suplício e desespero formavam a coreografia macabra que excitava a sádica audiência.
O fogo era o inferno no qual os pecadores deveriam arder até o último sopro de vida. O condenado, desumanizado na sua essência de ser humano, era um animal que merecia receber qualquer castigo inumano e cruel.
Agora, diante da terrível tragédia em Gaza, não é aceitável que fiquemos passivos, nos comportando como uma plateia entretida com o espetáculo horripilante exibido em modo online no “Coliseu contemporâneo” da TV, da internet e das redes sociais.
O espetáculo é exibido como se fosse uma guerra, mas na realidade se trata de um extermínio genocida; de matança israelense para vingar as mortes inaceitáveis causadas pelo Hamas em 7/10.
A limpeza étnica não pode continuar sendo naturalizada e transmitida em tempo real sem um repúdio contundente; sem que nada de efetivo seja feito e sem que a ONU condene e mande cessar imediatamente os crimes de guerra e contra a humanidade perpetrados pelo Estado étnico-teocrático de Israel contra o povo palestino.
Não é aceitável que depois de dez dias o Conselho de Segurança da ONU ainda não tenha determinado o fim imediato da devastação em Gaza. Na última sessão do Conselho [16/10], os EUA, França, Reino Unido e o Japão votaram contra resolução que pedia o cessar-fogo humanitário. Sim, é isso mesmo, votaram contra um cessar-fogo humanitário provisório!
A Agência das Nações Unidas de Assistência e Trabalho para Refugiados da Palestina [UNRWA] denunciou que morrem 11 palestinos a cada hora em Gaza, sendo que pelo menos 25% dessas vítimas fatais são crianças. Com o avanço da invasão israelense, esta cifra com certeza aumentará.
A indiferença acintosa do Conselho de Segurança da ONU com a iminência de um extermínio em Gaza contrasta com o alerta da Organização Mundial de Saúde, de ocorrência de “uma verdadeira catástrofe” em 24 horas devido ao corte de eletricidade, água e combustível.
Os EUA enviaram para a costa do Mediterrâneo Oriental o USS Gerald R. Ford, considerado o maior navio de guerra do mundo, para realizar operações marítimas e aéreas na região. Por outro lado, não se empenham em permitir que navios-hospitais atraquem ali para socorrer palestinos que estão morrendo devido ao fechamento de hospitais e clínicas e à proibição israelense da entrada de ajuda humanitária, de água, comida e medicamentos em Gaza.
É difícil acreditar que os EUA e seus aliados europeus, japoneses e canadenses deixariam essa barbárie avançar se as vítimas fossem judeus, e não “animais palestinos” desprezíveis, como se refere o ministro sionista/racista da Defesa Yoav Galant.
Os 2,3 milhões de habitantes de Gaza vivem na maior prisão a céu aberto do mundo. Estão presos, cercados e controlados por terra, mar e ar. São prisioneiros de um regime de apartheid e tratados como sub-humanos, selvagens e inferiores.
Com o desalojamento forçado de mais de um milhão de palestinos do norte de Gaza, Israel implode a solução de dois Estados –de Israel e da Palestina– e coloca o povo palestino diante de duas alternativas absurdas: [i] ou abandona seu território e vai para a diáspora; [ii] ou é assassinado por fome, doença, falta de água, medicamentos, por fósforo branco, bombardeios …
A incapacidade da ONU frente ao genocídio em Gaza corresponde a um fim de linha da humanidade. E significa, também, o fim da própria ONU enquanto expressão de uma institucionalidade falida.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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