Por Paulo Metri

A geração de hipóteses de guerra de um país, como atividade inicial do planejamento das suas Forças Armadas (FFAA), é também a definição explícita por parte do país de quem são seus eventuais contendores. Apesar de não ser diplomática a explicitação dos eventuais “inimigos” do país, ela é necessária para o planejamento em pauta.

É preciso fazer uma correção inicial de nomenclatura. Tradicionalmente, fala-se em “Hipóteses de Guerra” com o entendimento que se trata de conflito provocado por forças externas ou, mesmo, internas, mas nunca provocado pelo Brasil. Assim, melhor seria se tivessem batizado esta fase do planejamento de geração de “Hipóteses de Defesa”. Mas, neste texto, vai-se continuar mantendo a tradição.

A necessidade de geração destas hipóteses é justificada porque as recomendações sobre os equipamentos bélicos, as táticas e estratégias militares, o efetivo de pessoal necessário das FFAA e os treinamentos a serem ministrados são resultantes destes “confrontos potenciais”.

Como consequência, aliados podem também ser supostos. Por outro lado, com o passar do tempo, podem ocorrer mudanças nas lideranças do país, assim como na conjuntura internacional e, obviamente, a lista dos “aliados e inimigos” pode também mudar.

 Com relação às eventuais alianças no cenário mundial, é primordial lembrar dois bordões repetidos de longa data e que ecoam até hoje. O primeiro foi proferido, originalmente, por Georges Clemenceau e diz que “a guerra é demasiada grave para ser confiada só aos militares.” Como consequência, o planejamento das FFAA deve ter acompanhamento constante por parte da sociedade.

O segundo bordão diz que, “nas relações internacionais, não existem países amigos e inimigos, só existem interesses”. Assim, laços culturais entre países podem ser considerados em análises, mas quaisquer atrações ou rejeições a países não substanciadas por interesses da sociedade não devem ser consideradas.

Desta forma, dependendo das conjunturas interna e externa, as hipóteses de guerra serão diferentes e, consequentemente, as FFAA, delas advindas, também serão. Com relação a este ponto, uns 50 anos atrás, ouvi que o sistema ferroviário brasileiro possuía dois tipos de bitola para barrar uma hipotética entrada das FFAA argentinas por trem no interior do nosso território, principalmente em São Paulo onde estava nossa maior concentração industrial. Nesta época, eu ainda não tinha ouvido falar das hipóteses de guerra, mas foi ela que determinou as duas bitolas.

Mais ou menos, nessa mesma época, falava-se que a barragem de Itaipu estava sendo construída também como uma arma, uma vez que, se ela fosse dinamitada, provocaria inundações no caminho até Buenos Aires. Isto só podia ser piada, porque, se fosse verdade, seria uma arma caríssima e pouco destrutiva. Mas, o importante a ser observado é que os argentinos continuavam sendo, segundo os militares de então, os nossos inimigos mais ferrenhos. Não sei desde quando, foi inoculado, lamentavelmente, na população e nos nossos militares, o germe da desconfiança com relação aos argentinos, que seriam nossos inimigos.

Eles foram, da mesma forma que os brasileiros, explorados por nação europeia, com o eufemismo de estarem nos colonizando. Fazendo justiça, Sarney e Alfonsín iniciaram um processo de apaziguamento dos ânimos e de aproximação das duas nações, combatendo a desconfiança reinante.

Assim, chegamos à fase do “combate ao comunismo”, que pode ser considerada como uma hipótese de guerra. Para tal, cito o trecho a seguir de um artigo de José Luís Fiori, intitulado “Henry Kissinger e a América Latina”.

Neste sentido, pode-se dizer que Henry Kissinger seguiu rigorosamente as recomendações de Nicholas Spykman com relação ao controle desta região geopolítica (que englobava Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e Paraguai). Sua única contribuição pessoal foi a substituição da ‘guerra externa’, proposta por Spykman, pela ‘guerra interna’ das Forças Armadas locais contra setores de suas próprias populações nacionais. Mas, mesmo neste ponto Kissinger não foi original: recorreu ao método que havia sido utilizado pelos ingleses na Índia durante 200 anos. E em todos os lugares em que a Grã-Bretanha dominou estados fracos, utilizando elites divididas e subalternas, para controlar as suas próprias populações locais.

Este parágrafo me traz grande tristeza, por saber que muitos dos integrantes dos dois lados deste “combate ao comunismo”, mesmo sendo movidos por idealismos, faziam o que uma nação estrangeira queria. Quantos brasileiros poderiam ter suas vidas poupadas, se os dois lados tivessem compreendido que seu verdadeiro inimigo era outro, era externo.

Depois da ditadura, outros governos utilizaram suas criatividades, tendo gerado as hipóteses de guerra mostradas a seguir. Não cito todas e nem caracterizo a que governos elas pertenceram, pois não se trata de uma disputa.

1.     Invasão da Amazônia por integrantes das FARCS, depois de serem “empurrados” pelo Exercito Colombiano para transporem a fronteira do Brasil. Tratava-se de hipótese plausível à época.

2.     O MST se transformaria em um movimento guerrilheiro, que promoveria a luta armada no campo. Bastante improvável e, se a luta no campo viesse a ocorrer, os elementos provocadores seriam os jagunços dos grileiros.

3.     Falsos missionários na Amazônia seriam, na verdade, técnicos de empresas estrangeiras farmacêuticas e de cosméticos ou da área mineral, querendo se apoderar das riquezas da região. Poderiam ser também agentes de países desenvolvidos e de organizações ditas humanitárias e ambientais, buscando influenciar os indios para a criação de uma nação indígena.

4.     Mulçumanos da região da Tríplice Fronteira seriam responsáveis por atentados a organizações judaicas existentes no país. Esta hipótese é tão absurda, considerando a nossa realidade, que não merece comentários.

5.     Com a descoberta do Pré-Sal, esta riqueza é cobiçada por nações poderosas para que suas empresas consigam usufruir da descoberta. Podem conseguir atingir este objetivo através da força, o que irá requerer FFAA brasileiras preparadas para esta “hipótese de guerra”. Ou através da cooptação de altos funcionários do Estado, com auxilio da mídia, que divulgam o roubo com aparência de transação legal e de interesse da sociedade. A segunda alternativa é a que está ocorrendo hoje, sorrateiramente. Para a primeira alternativa, o submarino a propulsão nuclear seria um equipamento fundamental. Do jeito que o Estado brasileiro resolveu explorar as reservas do Pré-Sal, o submarino, hoje, irá garantir a tranquilidade do roubo.

6.     Recentemente, foi lançada a hipótese da França ser a grande ameaça à nossa Amazônia. De tão estapafúrdia, esta hipótese não precisa de contestação. Se fosse dito que a comunidade internacional, através da ONU, ameaçaria o Brasil com bloqueio econômico, se não fossem contidas as queimadas e as motosserras na Amazônia, seria uma conjectura verossímil.

7.     O atentado ao Rock in Rio por grupo do sudeste asiático, a guerra com a Venezuela e outras hipóteses recentes não precisam ser comentadas, mas são consequência do triste momento histórico em que vivemos.

De uma análise rápida destas hipóteses de guerra, pode-se dizer que infelizmente suas escolhas mostram o alto grau de dominação existente nas mentes dos planejadores das nossas FFAA. Apesar de correr o risco de não me entenderem, creio que falta a estes planejadores, brasilidade.

Um alerta deve ser feito. O não envolvimento de outros setores da nossa sociedade, que amam verdadeiramente o nosso povo, é uma das causas da geração de hipóteses de guerra fracas. Clemenceau tem razão.


PAULO METRI – Engenheiro, conselheiro do Clube de Engenharia, vice-presidente do CREA-RJ, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre