Por Lincoln Penna

“A criação da Petrobras exprimiu a convergência de vários componentes  essenciais do sistema político e econômico brasileiro daquela época: defesa  nacional, nacionalismo econômico, emancipação do País, ideologia  desenvolvimentista, crescimento da função econômica do Estado.”

(Coronel Gabriel Fonseca, Revista do Clube Militar, no 112, pp. 19-35, de 1951).

Neste dia 3 de outubro de 2023 a Petrobras celebra os seus 70 anos de criação, data que deve ser não apenas evocada, mas tida como uma sintonia possível entre os poderes públicos e o povo, tendo como elemento unificador a questão da soberania nacional. Esta comunhão que resultou na Lei 2004 do ano de 1953, resultante de um verdadeiro “decreto” popular imprimiu um fator indispensável aos esforços desenvolvimentistas centrado na observância da questão nacional. Eram tempos de um projeto que se tornaria relevante, o do nacional-desenvolvimentismo.

Escrevi em 2003 por ocasião do cinquentenário da Petrobras um artigo transformado em livro e publicado em 2006, cujo conteúdo se referia à participação de forças políticas e sociais, dentre elas os comunistas, engajadas no movimento que mobilizou a sociedade brasileira. Mais ou menos na mesma ocasião surgiu o pré sal e me dispus a preparar uma segunda edição na qual incluo um pequeno apêndice relativo à descoberta desse rico manancial no fundo do mar junto às costas do nosso Sudeste. Capítulo a ser acrescido à luta pela nossa emancipação ainda em curso.

O processo da campanha O Petróleo É Nosso! a mobilizar as principais capitais bem como várias forças sociais e entidades que se vincularam ao mais prolongado e massivo movimento político da República, teve momentos diversos quanto ao caráter a ser dado à empresa nacional que se cogitava àquela época.

A tese do monopólio ganhou intensidade dada a popularidade e a sua relação com a questão da verdadeira independência econômica numa época de fortes pressões imperialistas em pleno cenário da Guerra Fria em ebulição. E agora, em função do pré sal a despertar nova e consecutiva cobiça das grandes potências e do truste constituído em torno do “ouro negro”, isto é, das jazidas petrolíferas.

Exploração de petróleo na Bacia de Santos. (Reprodução)

Para que essa tese ganhasse a adesão popular indispensável foi fundamental o papel de setores militares liderados pelo general Horta Barbosa, destacada figura em defesa do monopólio. Segundo argumentava, o petróleo ou é monopólio estatal ou será dos trustes internacionais a cobiçarem as jazidas em qualquer parte do mundo. Também coube aos estudantes da União Nacional dos Estudantes (UNE) e, depois de uma revisão corretiva também os comunistas, que curiosamente junto a alguns parlamentares da então União Democrática Nacional (UDN), partido antigetulista, adotaria a tese do monopólio, finalmente vitoriosa. Aglutinação de forças que naquela conjuntura foi fundamental, não obstante a multiplicidade de interesses envolvidos.

Vitoriosa, porém, não devidamente consolidada, em razão das muitas pressões que doravante se fazem como até hoje, a Petrobras sofre investidas de grupos nacionais e internacionais irmanados a alimentarem a surrada defesa da privatização tendo como foco a sua submissão às determinações emanadas pelo cartel que influi nas decisões dos fluxos do petróleo e seus derivados. Após as privatizações da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e posteriormente da Eletrobras, sem contar a redução do monopólio exercido até então plenamente pela Petrobras, quando o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso quebrou parcialmente o monopólio da Petrobras, torna-se urgente a manutenção firme da mais importante empresa estatal, pois é assim que ela deve ser mantida.

Nesse meu livro mencionado anteriormente e intitulado “Caminhos da Soberania Nacional. Os comunistas e a criação da Petrobras”, editado pela editora e-papers, há um resumo do que foi a batalha do petróleo, para usar um termo comum àquela época. Nele descrevo com farta referência o papel das mais competentes figuras participantes das lutas que conduziram à promulgação da Lei 2004 de 3 de outubro daquele ano de 1953. Ano, por sinal, que seria o penúltimo de Getúlio Vargas, quando quase um ano depois veio a tomar a decisão de se suicidar devido às pressões sofridas e deixadas inscritas na famosa Carta-Testamento.

Foto icônica do presidente Getúlio Vargas com uma das mãos suja de óleo, um dos símbolos da campanha ‘O Petróleo é Nosso’. O autor foi o fotógrafo oficial do presidente Getúlio Vargas, Renato Pinheiro. (Divulgação)

É bom lembrar que a criação da Petrobras estimularia vários movimentos convergentes tendo como elemento comum a defesa da soberania de um País que começara a despertar para a formulação de um projeto efetivamente nacional. Daí, o nacional-desenvolvimentismo de curto fôlego.

Assim, como desdobramento imediato uma vez criada a Petrobras, surgiria a Liga de Emancipação Nacional (LEN), em 1956 e constituída de militares e civis egressos da Campanha O Petróleo É Nosso!

Também pouco depois surgiria a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), bem como por iniciativa de dois pernambucanos, Barbosa Lima Sobrinho e Oswaldo Lima Filho, integrantes desta Frente foi criado o Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON), cujo objetivo idealizado por ambos ao conceberem este organismo era a de ter junto à sociedade civil um instrumento para difusão das teses da FPN. Exceção da LEN fechada logo após a posse do presidente Juscelino Kubitschek, as outras entidades permanecem com todas as dificuldades ainda vivas até hoje.

Como viva está e estará sempre a Petrobras, orgulho da engenharia, da geologia e dos técnicos de diferentes formações profissionais que embalam o nosso sonho de emancipação nacional, que jamais será objeto da sanha dos que desejam manter como no passado remoto ou mesmo recente a subserviência brasileira imposta pela ação dos interesses imperialistas, hoje em dia travestidos em várias manifestações supostamente independentes.

Que essas sete décadas impulsionem a consciência cívica e o desejo para que ela continue e prospere sempre. O povo não é nem pode ser um mero observador de quem se julga senhor de seu destino. É hora desse povo demonstrar sua força para que possa fundar o poder popular, única fonte para tornar visível e concreta a tão desfigurada democracia que sai da boca dos que na verdade pouco se importam com os destinos do povo e da nação brasileira.

Ao finalizar lembro de uma das inúmeras frases de Barbosa Lima Sobrinho, que se aplica mais do que nunca neste momento definidor dos rumos do País. Segundo ele, “maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado!”

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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