Por Lincoln Penna

Luta encarniçada contra qualquer coisa a que se atribua um valor nocivo. Esta é uma das definições de guerra, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa. Há várias situações que ganham valor nocivo para a avaliação de uma sociedade minimamente embasada no bom senso. Estamos, sem dúvida, diante de uma realidade que se caracteriza pela presença de algo bem nocivo, que é a pandemia e o tratamento a ela dispensado por um governo que se revela a cada dia mais e mais indiferente e insensível às perdas de vidas de seus cidadãos.

Evoco a expressão Guerra Social para dar título a este artigo tomando emprestado o nome de um jornal operário de orientação anarquista do qual fundou e participou um dos mais destacados intelectuais orgânicos da classe trabalhadora do início do século XX Edgard Leuenroth, que dá nome, em justa homenagem, ao Arquivo mantido pela Universidade de Campinas, cujo acervo em boa parte pertencera a Leuenroth. Este periódico foi criado em 1919 e se refere à guerra de classes sociais, naturalmente. E ao tomar emprestado essa denominação o faço para dizer que estamos entrando quer queiramos ou não numa verdadeira guerra social e política, que tem se manifestado nas duas dimensões mais nocivas: a da pandemia e a de sua negação por quem deveria combatê-la, o governo federal.

Quando a sociedade não tolera e não pode admitir a prevalência de atitudes negacionistas a provocar perdas de vidas em escala crescente e ainda debocha e atribui à imprensa a criação de um clima alarmista, não há como nos limitarmos ao exercício da crítica por mais contumaz que seja. É preciso reagir objetivamente. Como? Eis o desafio que temos. Toda e qualquer atitude que as forças vivas e irmanadas em torno dos bens sociais e do bom senso precisam é convocar a cidadania para operar na prática um poder popular, a envolver instituições públicas e privadas médicas ou não, organizações sociais de todo tipo, partidos e sindicatos em sintonia com os entes federativos (municípios e estados) cujos gestores se somem a esse esforço coletivo, sem o que a guerra social poderá descambar para a instalação da barbárie, que ninguém deseja.

Existem movimentos na sociedade nesse sentido. Eles ainda são tímidos, mas têm tudo para deslanchar basta adicionar a tal vontade política, tão necessária nessas horas. Por outro lado, o mundo está a assistir a expansão do vírus e suas cepas a ameaçarem a permanência da pandemia em função da rápida reprodução no território brasileiro a contagiar outros países.

Ter de assistir o isolamento total e absoluto do Brasil como lugar da praga mundial em razão da vontade determinada de um presidente que aposta o tempo todo no confronto, até com o vírus a menosprezá-lo como costuma fazer com os seus críticos e oponentes, é entrarmos numa situação de guerra em nome da ciência e, claro, e do apreço à vida, motivação original do conhecimento e das pesquisas científicas.

As redes sociais têm veiculado muita coisa para o bem e para o mal, mas não deixa de ser um canal para que sustentemos essa trincheira com a necessária determinação de quem se encontra convencido de que é preciso ganhar essa guerra. E se não conseguirmos desalojar tão rapidamente o presidente responsável por essa catástrofe, em razão da legalidade democrática, que confere a ele o exercício do mandato conquistado nas urnas; é preciso ocupar os espaços desse terreno minado.

O silêncio dos militares diante desse quadro é assustador, in compreensível e desanimador. E podem acrescentar outros adjetivos negativos. Eles que são preparados para fazer guerras e, sobretudo, defender a pátria em momentos de perigo iminente de agressões, ou perderam o bom senso na defesa da República, regime que implantaram, ou continuarão a se desfigurar para o desencanto de muitos patriotas.

A Guerra Social só tem um objetivo, ao contrário das guerras convencionais voltadas para conquistas independentemente dos estragos que produzem. Este objetivo consiste na defesa da vida, antes de qualquer outra coisa. Vidas que têm se perdido não apenas pela ação da pandemia sem controle no Brasil, mas de seqüelas causadas pela disseminação da praga a causar toda forma de implicações, de modo a tirar contingentes cada vez maiores dos postos de trabalho, aqueles que ainda resistem e se mantêm em atividade. E estes, ao contrário da ladainha do governo, não são afetados por causa das restrições necessárias à permanência de todas as atividades econômicas, mas porque se essas restrições não forem adotadas, não haverá gente para prover a economia, seja na produção de mercadorias, ou em sua circulação.

Sejamos sensatos. E dirijo-me àqueles que ingenuamente apostam nas falas de quem na verdade tem optado pela desgraça de inúmeras famílias como algo natural, afinal como disse o presidente, “todos nós morreremos um dia”.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.