Por José Carlos de Assis –
Os Estados Unidos se defrontam, como a Europa, com três crises fundamentais.
A primeira devido a seu envolvimento indireto na guerra da Ucrânia. A segunda, com as dramáticas mudanças climáticas que se abatem sobre o país. E a terceira, com as pressões migratórias vindas do Sul, especialmente da América Central. Eles, como a Europa, só têm algum controle sobre seu envolvimento com a guerra, pois podem simplesmente parar de mandar armas para a Ucrânia, direta ou indiretamente.
A insistência americana em sustentar “por procuração” a guerra na Ucrânia pode tornar-se um desastre secular para o país. Washington tenta manter de toda a forma, pelo caminho da guerra, a hegemonia no mundo, mas o preço a pagar por isso acabará sendo a transferência do controle geopolítico do planeta para o eixo Rússia-China. No caso da Rússia, não há mesmo hegemonia, já que, entre potências cujos arsenais nucleares destruiriam várias vezes o mundo, não há dominação.
No caso da China é uma questão de tempo. Os EUA ainda mantêm vantagem no campo tecnológico, mas poderão perdê-la. É que, diante da velocidade com que a China se desenvolve nesse setor, e, especialmente, devido a seu crescimento econômico rápido, sem o desperdício de suas energias econômicas com o envolvimento direto em guerras externas, poderá rapidamente alcançar e ultrapassar a posição econômica hoje hegemônica dos EUA.
Assim, a guerra na Ucrânia tornou-se um desafio e um divisor de água para os EUA. No passado, eles sustentaram seu envolvimento direto na Guerra do Vietnã com emissão monetária sem lastro em produção. Com isso, criaram uma grande inflação interna que se espalhou pelo planeta, gerando as crises mundiais sucessivas do petróleo e dos juros. Agora tendem a seguir pelo mesmo caminho, com riscos maiores. Por culpa deles, a inflação e o desemprego começam a disparar no Ocidente.
É uma estupidez política incomensurável que, depois da saída desonrosa do Afeganistão, os EUA permaneçam como uma potência belicista, mesmo que entregando a “procuração” da guerra a outros países. Não precisava ser assim. Foi a ambição infinita pela preservação da hegemonia no mundo, voltando, numa forma diferente da Guerra Fria, à política de blocos, que os EUA estão tentando preservar os fins de suas históricas tendências belicistas, sem fazer guerras diretas.
Entretanto, depois da retirada do Afeganistão, o presidente Joe Biden fez um pronunciamento surpreendente na ONU, que interpretei como histórico, anunciando o que deveria ser a nova política externa do seu país. Era o anúncio da substituição definitiva da guerra pela diplomacia nas relações internacionais. Fiquei tão entusiasmado que escrevi um livro, inspirado em Galbraith, com o nome de “A Era da Certeza”. A certeza, para mim, era que os EUA mudariam o mundo sob Biden.
Minha certeza durou menos de dois meses. Em dezembro de 2001, Joe Biden voltou à cena, desta vez promovendo uma reunião com 110 pequenos países do mundo para anunciar uma luta comum pela “democracia”, “os direitos humanos” e a “liberdade). Era uma evidente volta à “política de blocos” da Guerra Fria e uma clara provocação à China e à Rússia, as quais, não convidadas, não se incluíam nos seus conceitos de democracia e de defesa de direitos humanos.
Fiquei tão envergonhado com essa nova virada do presidente americano que deixei de promover meu livro. Ficou congelado na Amazon, praticamente sem nenhuma venda. Enquanto isso, persistiram as provocações por parte dos EUA e de seus aliados ideológicos europeus contra governos progressistas da Centro-América próximos da Rússia e China, com a continuidade do bloqueio a Cuba e as sanções contra a Venezuela e pequenos países da América Central dirigidos por progressistas.
Os EUA voltam, dessa forma, às atitudes que os caracterizaram no passado, transitando da forma mais vergonhosa do colonialismo político explícito, sobretudo europeu, para a forma aparentemente mais tolerável de imperialismo econômico. Em qualquer dessas formas, porém, americanos e europeus subjugaram e subjugam o mundo a seus interesses econômicos, explorando os povos africanos e asiáticos. Em comum, têm, agora, o troco inexorável das pressões migratórias.
Nos EUA, não há como evitar que massas de imigrantes vindos da América Central furem suas fronteiras pelos caminhos mais perigosos e desafiadores. As polícias não dão conta de refreá-los, e a legislação anti-imigratória é ineficaz. Com idas e vindas, os governos se sucedem, ora recorrendo à repressão, ora cedendo, moralmente, à tolerância. Como na Europa, a solução definitiva só existe de um jeito: promovendo, na origem, o desenvolvimento econômico que retenha os imigrantes em casa.
A tradição americana não é de ajudar outros povos, mas de submetê-los a seu império. É verdade que já não são tão explícitos em suas políticas imperialistas, em especial após o fim forçado do colonialismo depois da Segunda Guerra. Mas o fato é que seu domínio material do mundo, em especial do mundo subdesenvolvido, tem sido mantido através da exploração do trabalho e da remessa de lucros dele resultante pelas empresas americanas que se espalharam pelo planeta, evitando a transferência de tecnologia.
Dessa forma, só mesmo uma inversão total do padrão das relações econômicas externas dos EUA poderia favorecer uma solução definitiva para a questão migratória da América Central e da América Latina para o país. O instrumento para isso, a meu ver, é o Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, a ser realizado nesse bloco e, se possível, no resto do mundo. Será através do comércio multilateral, com grandes feiras permanentes formando o Cinturão, que haverá desenvolvimento comum e a retenção dos migrantes em seus países de origem.
A preliminar para isso, contudo, é o fim da guerra na Ucrânia. Enquanto os EUA estiverem comprometidos em fornecer mais armas modernas para Kiev, e mesmo que a Europa retire seu apoio ao país, recursos formidáveis continuarão sendo desviados para atividades bélicas e retirados das atividades pacíficas. A melhor atitude que podem ter seria, pois, aceitar a paridade política com o bloco oriental, da mesma forma como tiveram de aceitar a paridade militar com os russos.
O alinhamento econõmico em torno de objetivos concretos de desenvolvimento, através do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, facilitaria o enfrentamento do terceiro grande desafio para os EUA e o mundo: os riscos para o planeta associados às mudanças climáticas. As grandes feiras permanentes que constituirão os elos de ligação entre os países que formarão o Cinturão deverão funcionar como difusores de práticas e políticas antipoluição.
Na verdade, os EUA, embora sendo o segundo maior poluidor do mundo, depois da China, têm sido omissos em políticas contra a poluição. Os dois senadores a que me referi anteriormente, Joe Manchin e Kyrsten Sinema, sustentados por financiamentos milionários das indústrias do petróleo e do do carvão, e embora da base democrata de Biden, bloquearam sua agenda ambiental e social de 3,5 trilhões de dólares, enfraquecendo-a drasticamente. Com o Cinturão e as feiras permanentes que constituem seus elos, a pressão moral poderia forçar o Congresso a mudar de posição.
O Cinturão de Comércio Internacional do BRICS vai existir desde o momento em que for concluída a LatinRio, a grande feira mundial de produtos, comércio e serviços da América Latina, a ser replicada no bloco. Nada impede que seja estendido à América do Norte, na medida em que estaria construído em cima de firmes alicerces econômicos pragmáticos, e não em ideologias. E os americanos sabem ganhar dinheiro.
Certamente verão nas feiras permanentes e no Cinturão uma forma de fazê-lo, absorvendo deles, junto com as vantagens econômicas, uma cultura comum antipoluição.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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