Por Jeferson Miola –
É crescente a consciência crítica mundial e de governantes ao redor do mundo acerca da matança genocida e dos crimes de guerra cometidos por Israel com o patrocínio dos Estados Unidos.
À medida em que cresce essa indignação mundial com a monstruosidade em Gaza, cresce em correspondência a propaganda sionista que considera como ataque antissemita toda e qualquer repulsa à barbárie do Estado étnico-fundamentalista de Israel.
É instrumental ao sionismo essa confusão que equipara todo judeu a sionista, quando se sabe que nem todo judeu é sionista, e que a crítica ao regime sionista de Apartheid não significa ódio ou ataque ao judaísmo.
Esta falsa equivalência é eficazmente útil à propaganda sionista, que com isso carimba como ofensa antissemita a mínima crítica ao sionismo e à brutalidade de Israel que dura mais de 75 anos.
Nas palavras do escritor israelense Boas Evron, o Holocausto nazista “é uma doutrina oficial de propaganda, um martelar de slogans e uma falsa visão do mundo, cujo objetivo real não é entender o passado, mas manipular o presente” e, também, a verdade dos fatos.
Outros autores judeus entendem que a exploração do antissemitismo como dispositivo de legitimação ideológica funciona como uma indústria poderosa, que lucra imensamente com a estimulação do sentimento paranóico do povo “eternamente perseguido”.
Norman G. Finkelstein descreveu essa indústria como A Indústria do Holocausto.
No livro publicado no Brasil em 2001 [editora Record, disponível aqui em .PDF], este cientista político estadunidense e filho de judeus sobreviventes do Gueto de Varsóvia e dos campos de concentração nazistas oferece importantes “reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus”.
Na visão de Finkelstein, “dois dogmas principais sustentam” a instrumentalização maliciosa do Holocausto nazista: “(1) O Holocausto marca categoricamente um acontecimento histórico único; e (2) O Holocausto marca o clímax do ódio irracional e eterno dos não-judeus pelos judeus”.
No entanto, escreve Finkelstein, na historiografia “o holocausto nazista não foi classificado como um fato unicamente judeu, como um acontecimento historicamente único. A organizada colônia judaica americana em particular penou para incluí-lo num contexto universalista”.
“O que mudaria em nossa compreensão se o holocausto nazista não fosse o primeiro, mas o quarto ou quinto numa linha de catástrofes [humanas] comparativas?”, ele questiona.
É em razão disso –da reivindicação da exclusividade do Holocausto como catástrofe humana única na história, e que recaiu exclusivamente sobre os judeus–, que beneficiários da Indústria do Holocausto como Elie Wiesel advertem que “comparar o Holocausto com os sofrimentos dos outros constitui uma traição total da história judaica”.
Para Finkelstein, a existência do Museu do Holocausto “no Washington Mall é incongruente com a ausência de um museu aos crimes no curso da história americana” – como, por exemplo, a ausência de um Museu do Holocausto dos povos originários na América do Norte.
Se poderia citar, ainda, a ausência de museus sobre o Holocausto dos povos originários nas Américas Central e do Sul; sobre a escravização de africanos; sobre os genocídios de armênios na Europa e de negros na Namíbia; e sobre o Apartheid na África do Sul – apenas para ficar nessas hecatombes humanas que não merecem, até hoje, ter seus monumentos próprios de memória.
“Teriam sido os judeus as únicas vítimas do Holocausto, ou outros que também morreram na perseguição nazista deveriam entrar como vítimas?”, Finkelstein pergunta, lembrando que “os nazistas mataram quase meio milhão de ciganos com perdas proporcionais iguais ao do genocídio judeu”, […] “uns 2,5 milhões de poloneses católicos, milhões de cidadãos soviéticos e várias nacionalidades foram também vítimas deste genocídio…”.
Sionistas atacam esta verdade histórica dizendo, cinicamente, que “os não-judeus que desapareceram em Auschwitz ‘morreram uma morte inventada para os judeus (…) vítimas [decerto colaterais] da solução’ designada para outros [os judeus]” [Leon Wieseltier].
O caráter de “mal único do Holocausto não só separa os judeus dos outros, como também dá aos judeus um ‘direito sobre todos esses outros’” [Jacob Neusner]. Para Edward Alexander, “a singularidade do Holocausto é um ‘capital moral’; os judeus precisam ‘exigir soberania’ sobre esta ‘valiosa propriedade’”.
“O reconhecimento da singularidade do Holocausto [o capital moral] é o reconhecimento da supremacia judaica. O Holocausto é especial porque os judeus são especiais”. “A singularidade do sofrimento judaico, sugere o historiador Peter Baldwin, soma-se às demais reivindicações que Israel pode fazer (…) sobre outras nações”.
Esse “álibi privilegiado”, sustenta Finkelstein citando Nathan Glazer, “dá a eles “o direito de se considerarem especialmente ameaçados e especialmente merecedores de todos os esforços necessários à sua sobrevivência”.
“Toda e qualquer justificativa da decisão de Israel de desenvolver armas nucleares evoca o espectro do Holocausto”, ele diz. A paranóia com a ameaça existencial eterna justifica “qualquer expediente usado por Israel, mesmo agressão e tortura, [pois] constitui legítima defesa”.
A escritora sionista Cynthia Oziek justifica que “como os não-judeus estão sempre querendo matar os judeus, eles têm todo o direito de se proteger ao menor ataque”. Por este raciocínio, seriam aceitáveis, por exemplo, bombardeios de hospitais, mesquitas, escolas, e o assassinato de uma criança a cada 11 minutos e de uma mulher palestina a cada 17 minutos até a “solução final” de aniquilamento dos “animais selvagens”, os palestinos.
Boas Evron explica que “esta mentalidade [paranóica] perdoa por antecipação qualquer tratamento desumano aos não-judeus, prevalecendo o mito de que ‘todo mundo colaborou com os nazistas na destruição do povo judaico’, portanto tudo é permitido aos judeus em suas relações com os outros povos”.
Finkelstein sustenta que “nos últimos anos [referindo-se aos anos 1990], a indústria do Holocausto tornou-se uma completa farra de extorsão.
Pretendendo representar os judeus de todo o mundo, vivos e mortos, ela está exigindo da Europa indenizações pela era do Holocausto.
[…] A extorsão sobre a Suíça e a Alemanha tem sido apenas um prelúdio para o grand finale: a extorsão da Europa Oriental. Com o colapso do bloco soviético, abriram-se oportunidades tentadoras na antiga região central da comunidade judaica européia. Vestindo o manto sagrado das ‘necessitadas vítimas do Holocausto’, a indústria do Holocausto tem procurado extorquir bilhões de dólares destes países já empobrecidos. Ao perseguir este objetivo com um desembaraço indiferente e cruel, ela se tornou o principal fomentador do antissemitismo na Europa”.
O sionismo –e não a reação mundial às monstruosidades cometidas pelo regime de Apartheid em nome de um Estado étnico, racista e religioso-fundamentalista–, é o grande responsável pela onda de antissemitismo que cresce em todo o mundo.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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