Redação

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu uma liminar (decisão provisória) nesta sexta-feira (12) fixando que as Forças Armadas não atuam como poder moderador em um eventual conflito entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A decisão do ministro atende a um pedido do PDT, que apresentou ação na última quarta-feira (10) questionando pontos de leis complementares que tratam da atuação das Forças Armadas. Estas leis definem as Forças Armadas e explicitam a atuação delas na “garantia dos poderes constitucionais”.

QUATRO ATRIBUIÇÕES

A decisão de Fux explicita quatro atribuições das Forças Armadas:

1- Missão institucional das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário;

2- A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República;

3- A prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados –, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si;

4- O emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem”, embora não se limite às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio, presta-se ao excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei.

PODERES DO PRESIDENTE – “Convém ressaltar, ainda, que a interpretação conforme que ora se concede ao verbete não reduz nem amplia os poderes constitucionais do Presidente da República”, afirmou o ministro.

Em sua decisão, Fux ressaltou que não está limitando nem ampliando os poderes do presidente mas apenas explicando. “Uma vez fixado que (i) o presidente da República, como autoridade maior das Forças Armadas, exerce o poder de supervisão administrativo-orçamentária desse ramo estatal, e que (ii) o presidente da República e os demais chefes de poder não podem empregar as Forças Armadas para o exercício de tarefas não expressamente previstas na Constituição, não há razão jurídica para reduzir-lhe a prerrogativa constitucional expressa”, escreveu.

DISCRICIONARIDADE – O ministro negou o pedido de restringir o uso das Forças Armadas a estado de sítio, defesa e intervenção nos estados. “Não se está aqui a reduzir o espaço de discricionaridade política e administrativa do Chefe do Executivo nacional. Pelo contrário, a medida aqui concedida tem caráter meramente explicativo, na medida em que reafirma cláusula elementar de qualquer Estado Democrático de Direito: a supremacia da Constituição sobre todos os cidadãos, inclusive os agentes estatais, como mecanismo de coordenação, de estabilização e de racionalização do exercício do poder político no ambiente naturalmente competitivo de uma democracia plural”, escreveu.

Em sua decisão, o ministro Luiz Fux analisou o trecho de uma lei de 1999 que detalha o emprego das Forças Armadas. A norma prevê que as Forças Armadas são “instituições nacionais permanentes e regulares”, “organizadas com base na hierarquia e disciplina e sob autoridade suprema do Presidente da República”.

SEM SOBREPOSIÇÃO – No entendimento do ministro, a expressão “autoridade suprema” deve não deve ser interpretada como uma sobreposição a outros poderes. Fux ressaltou que nenhuma autoridade está acima das demais e da Constituição.

“Deveras, a ‘autoridade suprema’ sobre as Forças Armadas conferida ao Presidente da República correlaciona-se às balizas de hierarquia e de disciplina que informam a conduta militar”, afirmou.

Segundo ele, isso “não se sobrepõe à separação e à harmonia entre os Poderes, cujo funcionamento livre e independente fundamenta a democracia constitucional, no âmbito da qual nenhuma autoridade está acima das demais ou fora do alcance da Constituição”.

“AUTORIDADE SUPREMA” – Para o ministro, “descabe conceder à expressão ‘autoridade suprema’ interpretação que exorbite o exercício circunstanciado, por parte do Presidente da República, de suas próprias responsabilidades constitucionais, sempre sob o controle e, quando cabível, sob a autorização dos demais Poderes”.

“Impõe-se, assim, reconhecer que, em um Estado Democrático de Direito, nenhum agente estatal, inclusive o Presidente da República, dispõe de poderes extraconstitucionais ou anticonstitucionais, ainda que em momentos de crise, qualquer que seja a sua natureza. A Constituição bem tratou de definir os limites rígidos de atuação dos poderes estatais, seja em períodos de normalidade institucional, seja em períodos extraordinários. Destarte, todo e qualquer exercício de poder político deve encontrar validade na Constituição e nela se justificar”, acrescentou.

ARTIGO 142 – A lei de 1999 também regulamenta o artigo 142 da Constituição. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro invocam o artigo 142 como argumento para uma intervenção militar, reivindicada em faixas de manifestantes de atos pró-governo. Essa interpretação é rechaçada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Câmara dos Deputados, por juristas, especialistas e ministros do STF.

O artigo 142 regulamenta a competência das Forças Armadas, mas não autoriza intervenção militar. Textualmente, diz o seguinte: “Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

OUTROS PONTOS – O ministro afirmou que a missão institucional das Forças Armadas coincide inicialmente com a preservação da soberania do Brasil frente à ameaças externas. Mas ressaltou que “isso não significa, porém, que a atribuição constitucional se restrinja à intervenção federal e aos estados de defesa e de sítio”.

“A República Federativa do Brasil se fundamenta na soberania e alicerça suas relações internacionais em diversos princípios, como a independência nacional, a defesa da paz e a igualdade entre os Estados. A defesa da Pátria de que trata o artigo 142 inscreve-se na proteção material da soberania brasileira, mas compreende quaisquer medidas que a lei permitir para a proteção dos interesses da República Federativa do Brasil. Nesse ponto, tais medidas não se iniciam nem se esgotam nas hipóteses excepcionais de intervenção, de estado de defesa e de estado de sítio. Pelo contrário, há uma miríade de possibilidades de atuação prévia das Forças Armadas para a proteção das faixas de fronteiras, dos espaços aéreos e marítimos, inclusive em períodos de paz.”

PODERES LIMITADOS – Fux também considerou que tanto em cenários de “normalidade institucional como em cenários extremos de guerra”, os poderes do presidente da República sobre as Forças Armadas não são absolutos.

“Destaque-se que, tanto nos cenários de normalidade institucional como em cenários extremos de guerra e defesa da soberania, os poderes do Presidente da República sobre as Forças Armadas não são absolutos, submetendo-se também a mecanismos de controle explicitamente delineados no texto constitucional”.

O ministro analisou ainda os questionamentos sobre a atuação das Forças Armadas na “garantia dos poderes constitucionais”.

GARANTIA DOS PODERES – “Em uma leitura originalista e histórica do artigo 142 da Constituição, a expressão “garantia dos poderes constitucionais” não comporta qualquer interpretação que admita o emprego das Forças Armadas para a defesa de um Poder contra o outro. No desenho democrático brasileiro, a independência e a harmonia entre os poderes devem ser preservadas pelos mecanismos pacíficos e institucionais de freios e contrapesos criados pela própria Constituição”.

“Assim, inexiste no sistema constitucional brasileiro a função de garante ou de poder moderador: para a defesa de um poder sobre os demais a Constituição instituiu o pétreo princípio da separação de poderes e seus mecanismos de realização”.

O ministro também citou que a Constituição adotou o princípio da separação dos poderes, o que torna incabível a interpretação segundo a qual as Forças Armadas poderiam atuar na intervenção em outros poderes.


Fonte: TV Globo – Brasília