Por Lincoln Penna –

Paz ou a barbárie, eis a questão.

Fundamentalismo é uma corrente de ideias que se baseia na observância de uma obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios fundamentais que orientam aqueles que professam essas ideias. Ele pode se expressar politicamente através de uma atitude sectária na defesa de certos postulados, pode ser representado por cortentes filosóficas ou doutrinárias, mas é no campo religioso que esse fenômeno é mais comum e reiterado.

Os atentados promovidos pelo Hamas em território de Israel têm sido objeto de interpretações que requerem algumas considerações e reparos. O impacto causado pelos atos típico de ações terroristas surpreendeu os mais desavisados, mas não os que têm acompanhado uma verdadeira escalada a envolver as duas partes diretamente envolvidas, ambas orientadas pela lógica do fundamentalismo, ou seja, a do grupo extremista do Hamas e a política daqueles que dirigem o Estado de Israel.

No que respeita às considerações é importante que se conheçam os protagonistas desses tristes episódios. Sem que se faça essa relação qualquer análise fica sujeita ao impulso de convicções nem sempre baseadas em sólidos conhecimentos da realidade. Tal situação acaba por ser motivada, em alguns casos, por mero preconceito destilado irresponsavelmente quando se pretende efetivamente examinar esse trágico e complexo panorama.

Creio que seria oportuno nesse sentido partir de uma premissa com o objetivo de evitar simplificações que se reproduzem rapidamente quando são veiculadas pela mídia ao tentar esclarecer o público sempre sedento de esclarecimentos. A premissa que parto é a seguinte: ambos os lados do conflito específico no caso em tela, isto é, entre o Hamas e Israel são movidos pela intolerância a expressar o fundamentalismo que embala por razões diferentes os dois protagonistas.

Com isso, surge uma lógica comum, qual seja, a da vitimização, que se entenda: faz parte de um processo histórico a levá-los a escorar-se e dar sentido a essa lógica. É essa lógica que ampara e embala ambos os lados.

Tanto os judeus abrigados no Estado de Israel após a Resolução adotada pela ONU em 1948, quanto a corrente do povo palestino que até hoje luta por um Estado que possa chamar de seu e ao mesmo tempo ser reconhecido, tem na representação do grupo Hamas de libertação, cuja orientação política se fundamenta no não reconhecimento de Israel e sua expulsão do território que dá lugar ao Estado judaico; são expressões da lógica que preside esse fundamentalismo, que consiste na intolerância necessariamente política.

Hamas: o que é o grupo palestino que enfrenta Israel - BBC News Brasil

Diante desse quadro que nesses últimos dias passou a ser mais conhecido pelo público do mundo inteiro, a possibilidade de uma saída pautada na racionalidade parece difícil de ser conseguida, haja vista justamente a impossibilidade de se chegar à construção de um consenso mínimo. Este não demanda apenas o esforço e a diligência de players que venham a interceder nas esferas diplomáticas para que os dois lados cheguem a um cessar fogo.

Acresce às dificuldades representadas pela dupla intolerância o fato de se tratar de protagonistas distintos. De um lado, um movimento de libertação, e de outro, um Estado. Soma-se a isso a rejeição que ambos professam para que se chegue a uma mesa de negociação. E poderia ser acrescido também o atual panorama das relações internacionais a apresentar um conflito armado a envolver a Rússia e a Ucrânia, além das tensões das relações entre os interesses da China e dos EUA em plena crise econômica que vem atravessando as duas maiores economias mundiais.

Essa indefinição dos rumos da política internacional é um fator de instabilidade que não afeta as políticas centradas nos interesses nacionais. Estes ultimamente vêm manifestando uma forte tendência chauvinista, outra representação quando exacerbada tanto do fundamentalismo quanto da prática da intolerância. É preciso esclarecer aqueles inclinados a apoiar os atos terroristas adotados pelo Hamas, que esse agrupamento, como ocorre com todo fundamentalismo, é uma corrente ultranacionalista, que não reza pela defesa de soluções internacionalistas capazes de favorecer a todos os povos.

Israel-Hamas war: The latest conflict in maps | World News | Sky News

No que diz respeito aos reparos, queria dizer que essa terrível situação na qual se encontra o mundo não tem lugar para heróis ou anti-heróis. Todos desejam impor soluções que a rigor não consultam ninguém senão aos seus próprios interesses. Com isso, não pode haver ganhadores, como de resto não se pode admitir retaliações como forma de punição aos ataques a civis de ambos os lados. Todos são perdedores e a humanidade padece desse mal que todas as guerras justas ou injustas não resolveram nem resolverão.

A paz é o caminho. Consegui-la não exclui as lutas emancipatórias, tampouco as que opõem cotidianamente nas inevitáveis diferenças e interesses de classe de nossas sociedades desiguais e injustas. Precisamos dar vazão ao sentimento de fraternidade como chave com vistas à construção de um mundo irmanado em torno da solidariedade e do afeto entre os povos.

As amarguras devem ser cultivadas sem que elas se transformem em vingança, pois esta só alimenta o ódio, inimigo mortal do bem comum. O sofrimento daqueles que perderam os entes queridos é mais do que compreensível, todavia não é agindo da mesma forma selvagem e cruel que vamos atenuar os nossos sofrimentos.

A paz ou a barbárie, eis a questão que se coloca hoje em dia.

Picasso, o ícone em si mesmo – Jornal da USP

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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