Por Sérgio Cabral Filho

A fé e a religião são distintas.

A religião é a imposição de um conjunto de regras e condutas àquelas e aqueles que a frequentam. Ritos e cerimônias que variam de acordo com a fé seguida. A chamada matriz religiosa. Seja cristã, de origem europeia, seja africana, seja do oriente. Há sempre um conjunto de regras e hierarquias de comando. A fé, em si, é você e Deus ou Deuses, dependendo da origem.

Durante os primeiros anos da minha juventude tive uma formação marxista-leninista, que tratava tanto a fé quanto a religião como ópios do povo. Mas jamais deixei de conversar com Deus, desde sempre. Me sentia incomodado, será que não era um militante disciplinado? Diziam os pensadores que os agnósticos eram os mais fracos e covardes. Será que não entendi nos livros de Marx, Engels e Lenin o conceito de fé e religião?

Meu amadurecimento pessoal e profissional deu luz ao absurdo contraditório do conceito de organização de Estado e sociedade concebidas pelo marxismo-leninismo. Cada “pito” dado pelos dirigentes do partido a mim por ter fé cristã aumentava o meu ceticismo sobre os dogmas comunistas. Além de ter ido à ex-União Soviética por duas vezes na década de 80 e, in loco, verificar que a vaca iria para o brejo. A sociedade utópica se tornou uma tragédia.

Ao longo dos meus anos de vida pública, desde os meus 19 anos, passei a ver a religião de outra maneira. Respeitando cada matriz religiosa e seus impactos positivos na vida das pessoas.

Entretanto, enxergava os líderes religiosos, via de regra, com desconfiança. E as religiões como aparatos organizacionais que doutrinavam a fé para interesses diversos do propósito.

Bastou entrar na prisão e, já nos primeiros dias, ter o impacto da religião e religiosos na vida de homens e mulheres privados da liberdade, longe de suas famílias, muitos abandonados à própria sorte.

A Lava Jato fez tudo para me enlouquecer. Além de prender familiares e aliados políticos, me transportou e instalou em oito presídios diferentes entre Rio e Paraná. Passei 6 anos e 1 mês preso, convivi com todos os tipos, e posso afirmar a você, sem a religião, a vida de milhares de pessoas privadas da liberdade seria muito mais trágica.

Hoje, respeito TODAS as religiões. Elas impactam a vida de milhões de brasileiros carentes de atenção, que buscam explicação para suas existências e sentido para suas vidas.

Dói muito quando alguns religiosos — minoria! — tentam se meter em políticas públicas de Estado. Tentam criminalizar direitos já conquistados em sociedades mais evoluídas. Demonizam a opção sexual, a religião do outro, o direito da mulher sobre seu corpo, definem o que é família e outros absurdos.

Peço licença para falar do meu Deus, cujo filho veio conviver conosco para nos ensinar exatamente a ter empatia e amor ao próximo. Jesus Cristo frequentou residências de vilões, casas dos mais humildes, e repudiou críticas à prostituta, “atire a primeira pedra”.

Os dogmas e padrões da religião cristã nasceram com o Estado Romano que coopta para si a organização e hierarquia da fé e a tornaram sócia do Estado por séculos.

Ver a religião ser instrumento de reacionários e preconceituosos que usam Deus para criticar a evolução da cidadania é lamentável. É assustador em 2023. E não faltam exemplos da promiscuidade recente de políticos de direita e religiosos por todo o mundo. Sobretudo no Brasil. Usando a fé para condenar adversários como se não fossem ” de Deus”.

Tenho fé em Deus e na sociedade plural e que respeita o próximo independente de suas opções de vida. Venceremos essa luta contra a barbárie.

SÉRGIO CABRAL FILHO – Jornalista e Consultor Político da Tribuna da Imprensa Livre.

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