Por Lincoln Penna

Como se sabe há diferença entre fé e religiosidade.

Por algum tempo imaginava-se que ambos os termos se assemelhavam e até derivavam um do outro. Acreditava-se que para ter fé era preciso estar vinculado a uma crença religiosa.

A fé é uma manifestação de autoconfiança no desejo de se conseguir ou conquistar alguma coisa e independe de qualquer crença religiosa. Existem os crentes que se apegam aos seus cultos, mas para um materialista a fé pode e deve ser cultivada. Aprendi com o tempo que devemos em qualquer circunstância alimentar esse desejo de superação diante das agruras e adversidades experimentadas ao longo da vida.

Em algum lugar do passado, quando fui acometido por um carcinoma metastático alguém me disse que deveria agarrar-me a fé. E assim procedendo tudo seria superado, porque tal procedimento era preciso para fortalecer a minha autoestima. Era alguém jovem, cuja fala mais parecia vinda de uma pessoa mais idosa, a trazer vivências que sua idade não comportava. Mas, o que valeu foi ter incorporado esse ensinamento, e em pouco tempo, parecendo à época uma eternidade, pude com a ajuda médica superar os malefícios de uma doença oportunista e agressiva.

Aplicado ao exercício da cidadania e mais especificamente à atividade política, a fé nos ajuda a crer nos ideais que abraçamos e com ele fazemos escolhas. Assim, ter fé é construir utopias a nos guiar diante de desafios frente aos quais nos deparamos. E para vencê-los é preciso acreditar que estamos certos do que fazemos, na convicção de que só dessa maneira é possível dar sentido à vida. Sem essa crença nas nossas opções somos levados como folha solta no ar, ao sabor dos ventos vadios.

Ainda transportando para os embates da vida pública, da ação política de que somos todos partícipes, quer queiramos ou não, por que não colocar a fé como uma componente de luta em face de desafios que enfrentamos presentemente? Creio que para se opor ao projeto de desmonte do Estado nacional, que é uma ameaça real, devemos estar atentos e convencidos de nossos caminhos.

Até porque precisamos restaurar a dignidade do povo brasileiro.

Frente aos ventos ferozes das forças retrógradas e antidemocráticas, além dos objetivos imediatos e programáticos é indispensável que se tenha fé, que nos embale com vistas à remoção da montanha que não nos permite vislumbrar o amanhã.

Essa montanha simbólica tem nome e sobrenome. Tem sido batizada de diferentes denominações desde os tempos coloniais, passando pelo período do império brasileiro e chegando à República, que a despeito dos esforços de muitos se mantém quase intacta, apenas modernizada esteticamente. O recurso de que se vale hoje em dia é a ignorância que graça nosso povo mais desassistido e ludibriado pelo discurso ideológico usado para que não superemos o atraso estrutural.

Da mesma forma, a fé também atende pelo nome de esperança. E sem ela fica mais difícil se obter algo que nos parece imprescindível. Nos meus tempos mais jovens não poderia imaginar que a defesa de avanços no campo da ciência pudesse no futuro e em plena revolução científica e tecnológica ser contestada por grupos que negam essas conquistas. Afinal, elas são frutos da capacidade laboriosa e inventiva de várias gerações. Pois, no entanto, é o que estamos a assistir, como um câncer que parece ter tomado conta de nosso corpo social, como uma metástase. Mas, tal como somos capazes de enfrentá-lo na defesa de nossas vidas, também saberemos superá-lo e devemos assim proceder com sabedoria e pertinência.
Os que usam da boa fé do povo através de seitas que prometem superações de modo a tornar o povo crente de que as forças derivam de entidades e não de si mesmo, são os mesmos que apostam na manutenção do atraso, nas estruturas injustas intocáveis, enfim, no arcaísmo imutável como projeto político.

No Brasil de hoje torna-se imprescindível o exercício da fé contra tudo o que é feito para destruir a autoestima do povo brasileiro. Combater este projeto que pretende se perpetuar é um ato de fé política. Mais do que isso se trata de um dever de cidadania, sem o que seremos tragados pela inércia dos que tentam imobilizar o povo mais humilde de moda a fazer crer que ele precisa ser dócil e aceitar a adversidade como prova de sua fé. Induzir o povo a isso é além de tudo uma perversidade.

Por fim, a fé responde também pela determinação, sem a qual não se sai nem de casa.

Determinação conduz a atitude fundada na convicção de que estamos plenos e em condições de reafirmar as razões de nossa existência. Sem essas convicções estar na vida pouco sentido faz. Muito pouco sentido mesmo, porque a vida é curta e temos pressa na conquista da felicidade para toda a humanidade, pois a fé compartilhada com todos é inquebrantável.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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