Por Lincoln Penna

No ano que vem se completa um século de insurgências políticas na história republicana, algumas oriundas de cima, outras pelas camadas media e populares, todas impulsionadas pela sempre renovada esperança de que o presente tal como se encontrava estava a impedir as mudanças tão necessárias para o País.

A partir dos anos de 1920 o Brasil passou a conviver com inúmeros movimentos e tomadas de posição política, todas em busca do futuro.

Refiro-me ao termo futuro me lembrando do livro de Stefan Zweig Brasil, País do Futuro, título em português da obra desse autor judeu-austríaco, que se radicou na cidade fluminense de Petrópolis, fugindo do nazismo. A primeira edição em nossa língua desse livro data do ano de 1941. Logo, essa expectativa de que um dia o Brasil desfrutaria do vigor para empreender sua caminhada era, de certa maneira, compartilhada por um povo desejoso de alcançar esse futuro promissor.

E em 1922, ano do primeiro centenário da Independência, talvez por coincidência ou embalado pela efeméride em meio a uma série de demandas reprimidas, que eclodem ao longo da década de vinte e se espraiam nos anos subseqüentes, claro que em grande parte provocadas por uma situação mundial conflituosa. O fato é que a letargia dos períodos anteriores foi decididamente substituída por impulsos visando reformas e ou transformações há muito ignoradas ou postergadas pelas classes dominantes mais retrógradas.

O próprio ano de 1922 conheceu vibrantes questionamentos que vão desde a emergência do Tenentismo, passando pela fundação do Partido Comunista, até a Semana de Arte Moderna de São Paulo, sem falar da primeira e concreta manifestação política de lideranças católicas ao ser criado também nesse ano o Centro Dom Vital. Uma enorme catarse tinha surgido não mais do que de repente. Dessa conjuntura desponta o País que nós herdamos, com erros e acertos suficientes para justificar um olhar crítico desses tempos, agora às vésperas do bicentenário da Independência.

O primeiro centenário deixou um contencioso não enfrentado senão por iniciativas que não lograram êxito, ou não se completaram em seus intuitos de passar a limpo essa herança tardia e persistente. Agora ao enfrentarmos os desafios acumulados na passagem do segundo centenário será preciso muito esforço, discernimento e capacidade de unificação de forças objetivamente comprometidas em superar os velhos e novos entraves que nos impedem de se alcançar a real Independência.

Mais do que registrarmos uma efeméride, trata-se de superarmos como povo.

Há os que, desiludidos com os rumos de nossa história contemporânea, julgam que perdemos o bonde da história e se quedam no mar dos indiferentes e resignados. Alguns sempre agiram assim, outros desenvolveram essa atitude em razão das sucessivas derrotas do povo em sua ânsia de prosperidade nunca alcançada ao longo desses anos de seguidas frustrações. São, no entanto, cidadãos a serem reintegrados à luta pela dura e persistente caminhada da esperança de que dias melhores virão.

O ano de 2022 será também mais um ano de escolha de nossos representantes. Sem dúvida, o ano eleitoral mais importante da história recente do País, não apenas porque se baterão certamente duas perspectivas para a definição de nosso futuro imediato e mediato, mas porque o divisor de águas dessas escolhas se encontra muito além de candidaturas polarizadas. O que está em jogo é a nova encruzilhada que teremos pela frente. E ela se configura em duas vias; ou bem vamos trilhar a velha estrada da conciliação de classes e interesses desiguais e contraditórios que não nos levam a lugar algum, ou bem definiremos que estrada vai se percorrer.

A estrada que tem sido usada é a tem nos levado à subserviência, ao convívio com um passado estruturalmente obsoleto e responsável por uma sociedade das mais desiguais socialmente falando. As classes dominantes em conluio com interesses contrários aos desejos de nosso povo insistem em percorrê-la. É preciso mudar de caminho, e esta mudança passa pela trilha que congrega os indignados, os injustiçados e aqueles que buscam um mínimo de respeito pelos povos que habitam nosso espaço territorial, com suas diversidades e diferenças culturais.

Se não fizermos dessa data que se aproxima um momento de reflexão repetiremos os velhos chavões oficiais a louvar um passado distante do interesse popular. O bicentenário terá de ser um momento no qual se discuta a construção de uma rota certeira a nos conduzir para a única e verdadeira independência, aquela que atende pelo nome de libertação nacional e popular, em que o poder seja de fato e de direito assumido pelas classes subalternas historicamente espoliadas, através de suas múltiplas formas organizadas.

É com esse povo consciente de seu papel e organizado que poderemos chegar a concretizar um futuro, caso contrário não teremos tão cedo sua chegada, que todos almejamos faz tempo.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


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