Por José Carlos de Assis –
O senador Telmário Mota, do Pros, relatou no Senado um projeto postulando a independência absoluta do Banco Central. É um escárnio. Trata-se da união da incompetência com a estupidez. Esse senador, até onde estou informado, dá provas, em seu parecer, de não entender absolutamente nada de política monetária, de política fiscal, de política econômica em termos gerais. Em seu relatório, cacareja idiotices transmitidas pelos arautos do sistema bancário, que estão plantados dentro do próprio Congresso Nacional.
Deve-se dizer que não existe nenhuma grande economia no mundo que dá independência absoluta ao Banco Central. A mais importante delas, os Estados Unidos, tem um banco central plenamente articulado com o Tesouro, o que aparece sobretudo nos anos de crise. Na última delas, em 2008, o FED, banco central norte-americano, atendeu todas as demandas do Tesouro para irrigar a economia de dinheiro. Ou fazia isso, ou derrubava ainda mais a economia mundial, já abalada por altíssimas taxas de desemprego.
Esses senadores ativistas dos bancos talvez se mirem no Banco Central Europeu. Este, sim, é independente. Mas para onde levou e continua levando a economia europeia? Esta está mergulhada em recessão e paralisia há anos – exceto o pequenino Portugal que jogou para o alto as políticas neoliberais e recuperou sua economia? Também, como ignorantes de economia que são, pensam que a economia alemã, no coração de um banco central independente a seu serviço, seria bom exemplo de ortodoxia monetária.
Chulos, ignorantes, estúpidos: o jogo alemão é um jogo de superávit comercial e monetário, que dispensa liquidez monetária fornecida pelo Banco Central. Como economia superavitária no comércio exterior, a Alemanha não precisa de expansão monetária interna pela emissão de euro. O excedente externo basta. Mas perguntem como vão as outras economias europeias que não tem grande superávit comercial? A própria França está se arrastando. De fato, essas economias se tornaram amarradas indelevelmente ao euro recessivo, aparentemente sem saída por razões políticas.
Temos o pior Banco Central do mundo, completamente descolado de um banco central comprometido com a nação. Nos Estados Unidos, entre as metas do FED, a principal é promover o emprego máximo (os liberais mudaram o nome original de pleno emprego, mas não ousaram em tirar a meta do emprego máximo). Pergunte aos senadores comprometidos com o projeto de BC independente se estão interessados em emprego? Perguntem a eles sobre desenvolvimento? Na essência, os que estão no jogo bancário são farsantes.
Mas não é apenas isso. O Senado vai votar amanhã um infame projeto pelo qual o Governo vai remunerar as reservas bancárias dos bancos. É uma forma de doar dinheiro ao sistema bancário, conforme tem demonstrado Maria Lúcia Fatorelli, uma guerreira dos ataques ao sistema. O projeto é do senador Rogério Carvalho, do PT. Pela novidade introduzida no projeto, o banco não precisa mais de lastrear suas reservas livres em títulos públicos – gerando liquidez para o governo -, mas fará isso diretamente no Banco Central, sem garantias, e sem financiar nada.
É isso que nossos senadores – espero que nem todos – estão preparando para a economia e para a nação. É um assalto direto ao dinheiro público. Em tempo de pandemia, quando o governo corta de 600 reais para 300 reais os benefícios para os mais pobres, é um acinte que, além da covardia em relação aos que estão na base da pirâmide social, se parta para uma política econômica tão ineficaz quanto a nossa, na medida em que esses últimos deixarão de comprar. Nesse ponto, temos a união da crueldade com a ineficácia.
O espantoso é que o povo terá de engolir mais essa aberração de tecnocratas da assessoria parlamentar, ignorantes ou induzidos por má fé, a despeito de que o PT se diz comprometido com os pobres e com o desenvolvimento nacional. Se o partido tem caráter, deveria expulsar esse senador de seus quadros, pois seu projeto é para servir aos ricos, não ao povo. Não sei com que cara Lula vai reagir a isso. Como em outras situações em que foi arrastado pela burocracia, ela pode arrastá-la de novo ao abismo que pôs abaixo a diretoria inteira da Petrobrás.
Não consigo acreditar que haja boa fé nessas ações no Congresso. Ao contrário, como dizia Ulysses, jabuti não sobe em árvore; se está lá, é porque alguém pôs. O que está sendo construído na política monetária brasileira é um imenso jabuti. Para tirá-lo da árvore é preciso a mobilização da sociedade, uma cruzada contra a corrupção especificamente para os bancos. Pessoalmente, eu que sempre fui um moderado no caso do sistema bancário, tomei um lado: vou trabalhar doravante para a completa estatização dele, e para o total expurgo dos tecnocratas suspeitos de traição que estão aboletados na diretoria do BC com pretensões à eternidade.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
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