Por Samara Portela – Sommelière –
Se há um tipo de solo que associamos aos vinhos portugueses, é o xisto, famoso por abraçar as videiras nos socalcos do Douro e espalhado em outras regiões do país, como o Alentejo. O que eu não esperava é que a célebre rocha também emerge da terra para protagonizar cenários tão bucólicos que parecem ter inspirado a Rivendel de Tolkien.
Em viagem de carro a Portugal, com o ritmo das tunas e fados nas caixinhas de som, para entregar-nos ao luxo das possibilidades infinitas da surpresa, reservamos alguns dias livres sem destino definido, aproveitando os esconderijos que só a estrada proporciona. Na ida, ao sair de Lisboa em direção ao Algarve pela Costa Vicentina, paramos em Odeceixe. Na volta, rumo ao Norte, havia uma grande aposta para o breve descanso: uma das vinte e sete aldeias de xisto entre Castelo Branco e Coimbra.
Saímos das falésias paradisíacas de Carvoeiro pela autopista A-13 e entramos na N-342 até a cidade de Lousã, famosa pelo castelo construído na época da reconquista cristã, no século XI. Tive a sorte de ter uma recomendação acurada de hospedagem em Talasnal, aldeia camuflada por pinheiros, com acesso através de uma subida sinuosa e curvilínea, em uma de suas autênticas casas de lousa restauradas, espaçosas e bem equipadas, a “Montanhas de Amor”, cujo anfitrião é o simpático Joaquim.
Chegamos em torno das 17h e deu tempo de sobra para caminhar por todos os cantinhos e ainda fazer uma trilha pela beira do riacho em que habitam cervos e javalis. Retornando ao empinado e estreito labirinto de xisto, descobri o sebo e café “O Curral”, onde me chamou atenção a foto do casal Ti’Lena, parteira e conhecedora de ervas medicinais, e Ti’Manuel, construtor de casas, estradas e músico de harmônica, os últimos residentes naturais de Talasnal, falecidos há alguns anos atrás. A maioria dos lugarejos dos alcantilados da montanha foram abandonados ao longo do século XX devido ao êxodo rural e desde os anos 2000 estão sendo reocupadas por uma nova geração que mora em Lousã e faz todos os dias um bate e volta para trabalhar em função do turismo, como era o caso de nosso anfitrião.
Para provar o “talasnico”, pastel típico de castanhas e mel, fomos n’O Retalhinho, outro pequeno estabelecimento atendido por um gentil senhor que nos serviu o vinho da casa por 50 centavos. Fui surpreendida mais uma vez, não só pela vista, mas com um pedido totalmente inesperado de casamento. Contamos a novidade para o senhor que, sem saber, tinha disposto com seu vinho sem etiqueta a degustação às cegas mais inesquecível de nossas vidas. Em seguida, fomos ao restaurante de Joaquim, que nos esperava com o jantar: tábua de queijos, charcutaria e alheiras (uma vegetariana, para mim). Queria brindar com algo local e tive a sorte de deparar-me com o Quinta de Foz de Arouce 2013, propriedade dos sogros de João Portugal Ramos na Serra da Lousã, classificado como I.G. Beira Atlântico, um corte de vinhas velhas de Baga (80%) e Touriga Nacional (20%). Em nariz, apresentou notas de frutos silvestres como mirtilo e cassis maduros, camadas aromáticas de fumaça, alcaçuz e um fresco toque herbáceo que me recordou o serpilho e os pinheiros da caminhada que tinha feito um pouco antes. Seus potentes taninos já estavam amaciados pelos 6 anos em garrafa, balanceados em um corpo de textura sedosa e final duradouro. Os solos xistosos retêm calor e água, oferecendo vinhos concentrados, ideais para quem gosta de um estilo mais guloso e estruturado no paladar.
Antes das 20h, Joaquim nos avisou que fecharia sua taverna para voltar à cidade de Lousã com seu irmão e foi neste momento que percebi que éramos apenas dois naquela vastidão silenciosa de pedras – todos os veículos e visitantes haviam ido embora. Ao amanhecer, passeamos por Casal Novo, outro povoado desabitado: em pleno verão, não havia absolutamente ninguém na aldeia, mais rústica que Talasnal e com vistas igualmente surpreendentes. Foi difícil desapegar daquela paisagem que ainda tinha tanto a ser desbravada, mas nos despedimos contentes para seguir rumo a Mesão Frio, terra do meu avô Antônio e o grand finale desta aventura, onde começa a região demarcada do Alto Douro Vinhateiro, na qual o xisto é, novamente, a estrela do terroir.
SAMARA PORTELA es una sommelière de Rio de Janeiro viviendo en Buenos Aires, se recibió en la Escuela Argentina de Sommeliers y es licenciada en Historia del Arte. Ha trabajado en el servicio gastronómico y actualmente es consultora e investigadora de la cultura del vino.
SAMARA PORTELA is from Rio de Janeiro and lives in Buenos Aires. She has a certificate from Escuela Argentina de Sommeliers, CETT Barcelona. She also has a degree in Art History. Samara worked at the El Baqueano restaurant and she is currently a consultant and researcher on wine culture.
MAZOLA
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