Por Ricardo Cravo Albin

“Da volta do jejum da pandemia às recomendações atravessadas do governador da Bahia sobre foliões”.

De fato, não há melhor tira-teima do que o desfile das escolas-campeãs do sábado, no sambódromo Darcy Ribeiro do Rio.

Mais de uma semana depois do começo oficial do antigamente apelidado pela pura delícia de “Tríduo Momesco”, ou seja, domingo, segunda e a terça gorda, o tríduo hoje é absolutamente inadequado, porque no sábado já é pleno carnaval. Na Bahia, então nem se fala, carnaval sequer tem a esquálida duração dos quatro dias, até porque muitos foliões baianos me escrevem se orgulhando de que lá é que é porreta, são quatro semanas de saracoteios e requebros extras.

Mas reflito agora sobre o desfile monumental das Escolas de Samba referindo-me ao do Grupo Especial como as que se exibem no domingo, segunda; e no Sábado das Campeãs, que encerra o Carnaval.

Falo em encerramento porque é uma mentira caricatural, já que no mesmo sábado saem pelas ruas do Centro os mega blocos, o tradicionalíssimo Cordão do Bola Preta e o novo Monobloco, cada um arrastando mais de um milhão de foliões. No frescor, no esplendor e na arrebatadora garra, pareceriam até terem dormido durante quatro dias para se recuperarem do final oficial na quarta de cinzas.

Quando acentuei que o melhor tira-teima para se estabelecerem juízos individualizados sobre quais as melhores escolas, não fui eu quem emitiu tal tese, embora viesse a concordar com o conceito. Quem me soprou foi um dos quatro grupos de sociólogos franceses que recebi no Instituto da Urca para conversarmos ou tentar definir critérios e sutilezas de análises sociológicas para julgar as campeãs pelo júri oficial. Que é bem, ou muitíssimo bem, treinado pelo LIESA com um corpo de jurados de pessoas honestas que não parecem ostentar nas testas “parti-pris” por determinadas concorrentes.

Portanto nossas conversas pré-desfiles das Campeãs foram literalmente técnicas com os sociólogos que coletavam dados científicos e estéticos, além de contextos musicais e sociológicos das Escolas de Samba. Eles, aliás, me asseguraram que a audiência dos shows das Escolas cresce na França e vem interessando vivamente os intelectuais da Sorbonne. Meno male… Quando aqui, ainda certos círculos acadêmicos arremessam algumas pedras injustas contra pequenas tolices de que por vezes as Escolas sequer são notificadas.

Aos 90 anos, Dona Expedita, filha de Lampião e Maria Bonita foi destaque no desfile da Imperatriz Leopoldinense

Voltando ao Desfile das Campeãs, o confronto mais apascentado com meus critérios pessoais (com o benefício de ter eu assistido aos desfiles por pura paixão nos últimos 50 anos, sem nenhuma interrupção), levou-me a concluir sobre ao menos dois dos desfiles mais perfeitos e homogêneos – ao menos ao passar pelo meu raio de visão pessoal. Eu estava localizado na cabeceira da pista, setor onde transmitia ao vivo a emissora oficial do Estado – Rádio Roquette Pinto. Ali tive o prazer de emitir opiniões horas seguidas. Sempre considero – e de logo me perdoem por avaliações pessoais, que são limitadas, porque o que escrevemos ou locutamos se restringe a ver poucos metros de um longo desfile que cumpre distância de quilômetro. Ora, tudo pode acontecer depois por quase uma hora de desfile, fora do nosso campo limitadíssimo de visão.

Mas quero apenas declarar o que enfatizei como opinião pessoal. Ao que passaram por mim, os desfiles mais perfeitos foram o de Vila Isabel com o arrebatador Paulo Barros com ao menos uma obra-prima, o carro com o Cavalo de Tróia, todo em fragmentos de metal dourado. Peça a ser exibida pelas autoridades federais de turismo nos melhores centros culturais do mundo para simplesmente… atrair turistas para 2024.

O outro desfile que me fez arrepiar foi o da Viradouro com a revelação da primeira negra a escrever um livro, o inédito personagem da Rosa Maria Egipcíaca. À perfeição dos dois desfiles, devo citar alguns outros sedutores como a homenagem a Zeca Pagodinho, um exercício visceral de carioquice, elaborado em “arte povera”, como a academia intitula muitos grafismos populares e carros ostentando esculturas mais ingênuas (naifs) que as sofisticadas quase “clean” de algumas outras escolas.

E para não me alongar ainda, quero registrar meu soluço pela desclassificação do Império Serrano, um desfile apresentado na abertura do Carnaval, perfeita e tocante homenagem a Arlindo Cruz, com a griffe da genial Rosa Magalhães (que também criou a excelente Tuiuti de 2023) e Alex Souza.

Ao encerrar, não posso deixar passar em branco aquilo que o nosso Sergio Porto, como Stanislaw Ponte Preta, jamais esqueceria no Febeapá (quem não sabe o que é, que procure no Google).

O amontoado de absurdos detonados pelo governador da Bahia, o Jerônimo Rodrigues. Ele declarou as seguintes graçinhas: Proibir fantasias de indígenas, de ornamentos que realçam o racismo de pessoas pretas. Nega Maluca nem pensar. Também projetou às profundas do inferno o travesti (se vestir de mulher ridiculariza a Mãe de Deus). Claro que o irrequieto governador de minha terra natal foi solenemente ignorado pelos foliões baianos.

Bem feito! Como vociferaria nosso Lalau Ponte Preta.

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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