Por Ricardo Tacuchian

Resenha do filme TOADA PARA JOSÉ SIQUEIRA de Eduardo Consonno e Rodrigo T. Marques, lançado no Festival Internacional do Documentário Musical (131 minutos).

O filme começa com uma fogueira, na noite de São João, em Conceição do Piancó, como uma metáfora da vida iluminada de um filho da Terra. Uma região remota do interior da Paraíba, povoada por bandas de música que foram os primeiros conservatórios de música do garoto José.

Siqueira, aos 15 anos, já dirigia uma dessas bandas, a Banda de Música do Cordão Encantado.

O Filme foi capa da Revista Nordeste (Divulgação)

O filme pode ser dividido em duas partes, quase da mesma duração. A primeira mostra as origens nordestinas deste paraibano, com suas bandas de música, aboios, cocos, pregões, cantigas de cego, reisados, zabumbas, toadas, maracatu, frevo, cabocolinhos, xangôs: uma verdadeira enciclopédia musical que brota da terra. José Siqueira, então, vem para o Rio de Janeiro, forma-se no Instituto Nacional de Música e parte para o mundo. Assim começa a segunda parte do filme.

João Luiz Duboc Pinaud e Maestro José Siqueira

A abordagem dos diretores não é obrigatoriamente linear mas obedece a um critério poético, com permanente superposição do folclórico com o erudito. Tudo realizado com muita sutileza e, às vezes, surpresa. O filme não se restringe a mostrar a meteórica carreira internacional do maestro (EE.UU., Canadá, Holanda, França, União Soviética, entre outros), mas a sua personalidade de líder de classe, fundador de instituições e orquestras, educador, animador cultural, autor de vários livros didáticos, entre outros campos de atividade.

Ricardo Tacuchian, José Siqueira e Camargo Guarnieri, numa visita a Siqueira, já doente, em sua residência, pouco antes de sua morte em 1985. (Arquivo pessoal)

A fogueira metafórica da primeira parte do filme se agiganta na segunda parte, quando mostra o maestro e compositor na plenitude luminosa de sua glória. Siqueira grava em Moscou sua obra máxima, o Candomblé, para grande orquestra sinfônica, grupo de percussão afro-brasileira, coro misto, coro infantil e seis solistas vocais. Todos cantando em língua nagô!

Recital de Graduação de RICARDO TACUCHIAN e ELZA LAKSCHEVITZ, com a apresentação de seus respectivos Quartetos de Cordas, pelo Quarteto de Cordas Oficial da EM-UFRJ, no dia 24 de novembro de 1964. Na foto estão, sentados, SANTINO PARPINELLI (violino I), JAQUES NIRENBERG (violino II), HENRIQUE NIRENBERG (viola) e EUGEN RANEVSKY (violoncelo). Ranevsky não aparece na foto. Em pé, estão JOSÉ SIQUEIRA, RICARDO TACUCHIAN, ELZA LAKSCHEVITZ, não identificado, ROBERTO DUARTE, ODEMAR BRÍGIDO, JORGE ANTUNES (estes três últimos, também alunos de SIQUEIRA) e outro não identificado

O filme segue num verdadeiro “crescendo”, até que, de repente, cai num “pianíssimo”, quase uma “grande pausa”, provocada pelos tanques militares, circulando em plena cidade, afundando o país num odioso período de ditadura militar. Siqueira é cassado pelo Ato Institucional nº 1 e impedido de exercer suas funções de Maestro e de Professor da Universidade.

O histórico músico paraibano é natural do município de Conceição do Piancó, terra de Elba Ramalho e Pinto do Acordeon. (Fotomontagem/TIL)

TOADA PARA JOSÉ SIQUEIRA deve ter sido um filme difícil de ser montado porque a riqueza do material de arquivo daria para produzir não só um filme, mas muitos outros mais. TOADA PARA JOSÉ SIQUEIRA não é apenas um documentário “quase” biográfico, mas um verdadeiro pedaço da história do povo brasileiro.

Deveria passar em todas as escolas do Brasil. E do mundo.


RICARDO TACUCHIAN é compositor e maestro, ex-aluno e amigo de José Siqueira. Doutor em Música pela University of Southern California. Foi quatro vezes presidente da Academia Brasileira de Música, suas composições são executadas na Europa e na América Latina e sua discografia está disponível em CD e LP.

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