Por Siro Darlan

As desigualdades sociais na América Latina, e em particular no Brasil tem como causalidade a ausência de uma compreensão orgânica dos Direitos Humanos.

O nosso olhar de colonizado nos deixou por herança o complexo de vira-latas que nos impõe olhar com inferioridade para os países colonizadores que destruíram os povos originários, sua língua e sua cultura, dizimando os índios e sua civilização para impor a do colonizador, partindo da lógica que esses povos eram inferiores, assim como até hoje impõe a política segregacionistas aos que entendem inferiores como acontece com os negros, homossexuais, judeus, mulheres e crianças.

Os dominadores mantém nas prateleiras da não efetivação toda legislação que patrocinar a libertação dos oprimidos como o Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNDH), Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o estudo da cultura afro-americana, e todas as conquistas legais de efetivação dos Direitos Humanos e da dignidade da pessoa. Esse é um projeto político para manter sob controle os colonizados.

A Filosofia da Educação é uma disciplina que busca o sentido da existência humana e todos ser humano nasceu para ser livre. Toda pessoa é um ser que precisa ser despertado através do conhecimento, para realizar a sua existência. A busca do sentido de nossa existência se faz através da busca do conhecimento, e não existe uma graduação qualitativa do conhecimento, daí porque toda forma de cultura é válida e merece reconhecimento. Nenhum povo detém a primazia do conhecimento. O compromisso do conhecimento tanto na ciência quanto na filosofia é direito de todos os povos. As leis, a Constituição, os códigos de ética, assim como todo direito positivo só tem sustentação se houver uma sensibilidade à dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana, portanto é um pressuposto para a convivência dos seres. Sem essa premissa, o que predomina é a barbárie do ser humano que destrói essa dignidade.

A ontologia sobre outra natureza: o valor e a dignidade da pessoa humana. Direitos Humanos só existem quando a dignidade da pessoa humana é reconhecida através de ferramentas práticas. Fora disso é negar a dignidade do ser humano o que leva a barbárie que estamos vivendo. Não há hipótese de tergiversar. Ou somos ou não somos defensores dos Direitos Humanos. Porque somos os únicos seres que tem ideologia. Os animais não tem ideologia, mas diferentes procedimentos. O que é ideologia. Não é uma modalidade de conhecimento. É o uso subjetivo que faço dos meus conhecimentos, sejam científicos, teológicos, ou outros. Manipulando os valores e conceitos que são mediadores pra mim, mas só posso fazer no âmbito de minha subjetividade. A ideologia como uso, manejo, das produções sociais. O enviesamento ideológico não pode ser eliminado porque é subjetivo. Exigência de um cuidado epistêmico rigoroso, mas demanda uma sensibilidade filosófica que é condição da pessoa humana.

Não um mundo sem a alteridade, não existimos sem o outro, sem o próximo, a quem devemos amar como anos mesmos, independentemente de sua ideologia, suas diferenças sociais ou políticas. A dignidade humana demanda a sensibilidade ética porque temos a convivência com o outro. A dignidade é posta pela presença do outro.

A ação do colonizador ignorou a existência de um outro ser humano diferente, com outra cultura, com outro idioma e se propôs a aniquilar os diferentes. Ignorando a cosmovisão indígenas e negras praticaram o epistemicídio, o culturicídio, e o genocídio contra os povos originários. Por isso devemos reivindicar que haja uma educação inclusiva, interdisciplinar e multiculturalista a fim de promover a descolonialidade. A educação deve ser uma prática mediadora da humanização.

O nazismo surgiu da inspiração colonizadora de que há povos menos humanos que os outros, a doutrina da predominância dos brancos sobre os demais que estigmatizou todos os diferentes negando sua humanidade, e por consequência seus direitos deixa marcas na forma de distribuição da justiça no Brasil, que faz com que a maioria dos mortos sejam os diferentes, negros e homossexuais, a maioria dos condenados e presos sejam negros, que mesmo sendo a maioria da população não ocupa os lugares de comando, nem cargos políticos relevantes e representa uma minoria no judiciário no ministério público. É isso exatamente que o nazismo fez na Alemanha – desumanizar para retirar ou para negar qualquer tipo de direito.

Existe uma lógica entre a política colonizadora e os discursos de desumanização que gradual os seres humanos em diferentes escalas de valor. “Bandido bom é bandido morto”, “se apanhou foi porque mereceu”, “se foi estuprada é porque provocou”, “ninguém é preso sem merecer” são discurso que banalizam os diferentes e os estigmatiza. Isso lembra a lógica colonial dos bárbaros e dos civilizados e a violação seletiva por meio do discurso. Como certos seres humanos não são considerados plenamente humanos porque não compartilham ou não são capazes de reproduzir a racionalidade do outro, há outros que são considerados mais humanos que outros e isso devido ao processo de desumanização a nível discursivo e prático.

Assim, a prática da colonialidade alternou diferentes discursos sobre a humanidade, que, ao mesmo tempo serviu para excluir dessa categoria a maioria dos seres humano, ao criar hierarquia onde as mulheres, índios, negros e gays são situados nos níveis mais baixos e o homem branco nos níveis superiores. Desse modo os direitos humanos são sistematicamente violados em todo o mundo, mas essa violação tem uma escala, na medida que são alguns mais vulneráveis à violação da dignidade que os outros. A ideia de raça catalisa não só a condição de inferioridade mas também de dispensabilidade, de modo que a pobreza e a proximidade da morte na miséria, a falta de reconhecimento e o confinamento em determinados lugares e papéis são formas de caracterizar esses sujeito que não são reconhecidos como plenamente humanos.

Esse colonialismo racista motiva incursões genocidas nas favelas e periferias porque seus habitantes são considerados descartáveis, matáveis, sem direitos, sem dignidade e os colonizadores “justificam” como justificaram a dizimação dos indígenas e a negação de seus direitos. A violação seletiva dos direitos humanos tem relação direta com a negação ou com o rebaixamento da humanidade de alguém. Pode-se admitir que o colonialismo acabou, mas a colonialidade persiste atuando por meio de uma lógica de negação ou graduação da humanidade. A França, ao mesmo tempo que proclamava os Direitos do Homem e do Cidadão, mantinha intacta sua política nas colônias praticando atrocidades própria do colonialismo.

Atenas na fundação da democracia, já relatizava sua aplicação, excluindo mulheres, crianças e escravos. Assim também o discurso dos direitos foi construído sobre o arquétipo de sujeito de direitos que nunca contemplou todos os seres humanos o sujeito individualista racional. Homens e mulheres negros e indígenas não eram (e continuam sendo) plenamente humanos.

A luta por direitos é assim, uma luta de poder que desumaniza para hierarquizar e negar direitos.

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SIRO DARLAN – Juiz de Segundo Grau do Tribuna de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Diretor e Editor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Membro da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.