Por Amirah Sharif –
Direito dos Animais.
Como sempre, me surpreendo com as atitudes “humanas” de nossos animaizinhos. E não foi diferente quando vi um vídeo, na semana passada, que viralizou na internet. Nele, um galo, que vive na China, começou a proteger um filhote de cachorro logo após o nascimento, como se vê ou se deveria ver um pai humano proceder com seu filho.
Sabemos que os galos possuem naturalmente esse instinto de defender o território, as galinhas, os pintinhos, mas é muito raro vê-los defender outras espécies.
Geralmente, o que costumamos observar são cenas de cachorros correndo atrás de galos ou galinhas para espantá-los ou galos e galinhas voando e correndo atrás de cachorros querendo bicá-los para afastá-los de seu território.
Aplauso para o galo. Vaia para o humano.
No entanto, existe um galo, lá na China, com instinto paternal. Esse galo adotou um filhote de cachorro como filho. Atitude louvável! Palmas para o galo chinês! Por outro lado, ainda lemos notícias sobre humanos que promovem a “rinha de galo” pra se divertirem e ganharem dinheiro às custas do sofrimento dos bichinhos. Vaia para esses humanos!
O que é rinha?
A origem etimológica vem do espanhol riña ( rixa, briga, disputa), derivando da expressão reñir (combater), e esta, por sua vez do latim ringi (grunhir, mostrar os dentes).
No Brasil, a expressão rinha é utilizada para designar briga entre animais. Destacamos que esses animais são preparados e programados para matar ou morrer, sendo- lhes injetadas doses de hormônios , além de serem confinados em minúsculos espaços, passando por uma situação absurda de estresse , tanto físico como mental.
As brigas de galos existem, pelo menos, desde a Grécia antiga. Foram trazidas à América pelos espanhóis e chegaram ao Brasil no século XVII.
Para que servem as leis?
É importante lembrar que as rinhas de galos foram proibidas no Brasil com a publicação do Decreto Federal 24.645/1934, que entendeu a prática como causadora de maus-tratos aos animais envolvidos. Nessa esteira, a lei federal de crimes ambientais (Lei 9605/1998), estabelece como crime qualquer ato de maus tratos e é utilizada para punir os infratores. A pena para quem for condenado vai de dois a cinco anos de prisão, além do pagamento de multa e inclusão do nome no registro de antecedente criminal. E há a nossa Constituição, nossa Carta Magna que, em seu art. 225, VII, proíbe submeter os animais à crueldade, no entanto, há algumas limitações para a proteção aos animais que a norma constitucional não contempla, como, por exemplo, a ausência de uma definição legal para o conceito de “crueldade animal”. Em virtude dessa lacuna normativa, utiliza-se o art. 3º do Decreto 24.645/1934, que já fora revogado pela lei de crimes ambientais, mas á a única definição legal que temos para o conceito de “maus tratos”, uma vez que o art. 32 da lei de crimes ambientais não define, apenas veda a prática de maus tratos.
Crueldade ou manifestação cultural?
Em razão desse conceito aberto de “maus tratos”, discute-se, então, sobre o que vem a ser uma prática cruel e o que faz com que determinada prática desportiva seja considerada uma manifestação cultural ou prática de maus tratos, que deve ser rechaçada.
A “rinha de galo” é uma prática comum na região norte do Brasil. É um duelo entre galos assistido por humanos que torcem e apostam em um galo “vencedor”. É uma prática cruel e ilegal, no entanto com o advento da Emenda Constitucional nº 96, que permite práticas desportivas com utilização de animais, desde que considerada manifestação cultural e que haja uma lei específica regulamentando o bem-estar animal, questiona-se se é possível que sobrevenha uma lei regulamentando a prática da rinha de galo a fim de assegurar o seu bem-estar, descriminalizando a sua prática com base no fundamento da manifestação cultural.
Vamos desenhar para entender
Sinceramente, nem desenhando conseguirei entender que alguma criatura nesse mundo considere a “rinha de galo” como uma manifestação cultural. Nem desenhando conseguirei entender que alguém do Legislativo, em sã consciência, rascunhe um projeto de lei dizendo que a “rinha de galo” é uma manifestação cultural e que tendo certos cuidados com os animais, eles poderão se digladiar livremente. Desenhando ou não, só consigo entender que duelo é crueldade, não é manifestação cultural “nem aqui, nem na China”. O que consigo entender, desenhando ou não, é que “rinha de galo” não é prática desportiva e que os galos são seres sencientes, criaturas que merecem viver dignamente e com o nosso respeito, livre de esporas e bicos de prata, livre de maldades e crueldades. Será que é tão difícil?
O diferente é igual
Também circulou, na semana passada, um vídeo produzido em Moscou, na Rússia, em que fizeram um experimento: criaram duas salas de jogos idênticas sendo que uma estava vazia e na outra, havia uma criança “diferente”. Convidaram crianças e deram a elas a oportunidade de escolherem a sala em que gostariam de brincar. Percebeu-se que quanto mais a criança humana cresce, mais difícil se torna não notar que as pessoas são diferentes. Por outro lado, crianças pequenas não conseguem ver as diferenças entre crianças com deficiência e as sem deficiência. Para elas, o diferente é igual, e, portanto, o objetivo é brincar com uma outra criança. E para nós, adultos humanos? Será que se nos mostrassem em um berçário dois bebês: um com síndrome de down e outro sem deficiência loirinho e de olho azul, qual bebê escolheríamos para chamar de nosso filho? Fica aí a pergunta para o nosso coração.
O fato é que um galo chinês adotou um bebê cachorro e o certo é que a raça humana ainda terá muito que evoluir.
AMIRAH SHARIF é jornalista, advogada, protetora dos animais e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. asharif@bol.com.br
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