Por Ricardo Cravo Albin

“Ainda bem que a gripe espanhola aterrorizou os folguedos de 1918/19. Se alguém rebolasse, poderia cair exangue e sem fôlego com os pulmões encharcados.” (Pedro Nava em crônica do final de 1918)

Nesta quarta-feira, leio nos jornais, o Comitê Científico do Estado se reúne para tratar da liberação ou não do carnaval na Sapucaí. Diante do assustador aumento de casos da Covid, especialmente centrada na variante ômicron, muitíssimo mais contagiosa, embora mais amena e raramente letal, o grupo técnico do Estado do Rio de Janeiro não vê condições de realização de eventos que gerem aglomerações. A informação me chegou pela coluna do sempre querido Ancelmo Gois, o “primeiro a saber das últimas”, como diria o Repórter Esso da antiga Rádio Nacional. O Comitê tem caráter apenas consultivo, o que significa dizer que as autoridades que o acionam podem ou não seguir suas orientações. Mas, e aí vale observar um dado relevante na ordenação de comandos e de definições, o Supremo (STF) definiu anteriormente que caso haja divergência entre Estado e Prefeitura em situações delicadas como essa, a de permitir ou não os desfiles, valerá sempre a medida mais restritiva. Há dias o prefeito Eduardo Paes em reunião com a Presidente Rita Fernandes, nossa parceira e responsável pela Sebastiana (o nome adorável da Instituição que reúne e administra todo o monumental Carnaval de rua da cidade), anunciou a suspensão dos desfiles dos blocos. Uma pena, de fato. Mas também um acerto sanitário, de fato. Semana passada, o Prefeito confirmou a manutenção da festa na Sapucaí.

Alguns integrantes do Comitê Consultivo me asseguram que serão considerados inúmeros itens para o assessoramento mais judicioso à Prefeitura, tais como a expansão de casos – que infelizmente em uma semana mais que dobraram – e a ocupação (e/ou saturação) de leitos dos hospitais. O Comitê estará ainda levando em alta conta a velocidade da expansão da Ômicron e sua conjugação hoje já comprovada com o vírus da Influenza. E ainda refletirá sobre a apreensão das autoridades com os 800 mil moradores do Rio que não tomaram a segunda dose, e mesmo a de reforço (a terceira) da vacinação. Também estarão de olho na imunização das crianças de 5 a 11.

Há dois dias a Mocidade de Padre Miguel e a Portela suspenderam os ensaios de rua para o domingo que passou. Os ensaios técnicos no sambódromo Darcy Ribeiro, inicialmente programados para ocorrer neste mês inicial do ano já foram adiados para fevereiro, em dupla resposta às obras da Arena do Samba quanto aos horrores da propagação da pandemia.

Como diria um antiquíssimo provérbio francês “entre le deux mon coeur balance” (entre as duas opiniões, pró e contra, meu coração balança). É de fato, creiam, balança mesmo.

Passarela do Samba. (Alexandre Macieira/Riotur)

Só quem é capaz de analisar minunciosamente por décadas a epopeia e o triunfo final que é participar de um desfile heroico como é o das Escolas de Samba poderá avaliar o que pode significar um segundo ano sem pisar no chão quase sagrado erguido pelos gênios de Darcy e Oscar Niemayer.

No meu caso em especial, tenho a evocar a paixão e a razoável intimidade que uma convivência íntima de quase 60 anos ininterruptos com as escolas e seus personagens provocaram em meus sentimentos pessoais. Dúvida penosa, quase atroz. A dúvida de me postar entre a cruz e a caldeirinha. Ou seja, eu acabo de lançar meu novo livro “Pandemia e Pandemônio” em que defendo o rigor de medidas sanitárias para a proteção integral do ser humano em relação à maldição dessa peste horrorosa. Como torcer para que o desfile não se realize, sem refletir sobre todos os desencantamentos e corações em pedaços dos milhares de humildes torcedores, quase fanáticos, que estão a preparar o maior desfile do mundo. Na fábrica mais original do mundo, os Barracões.

Confidenciaram-me entre lágrimas algumas velhas baianas, há dias, ao visita-las nos barracões ao lado de diretores técnicos do desfile: “meu sinhô, eu preferia que um raio me acertasse a testa a não desfilar com minha escola amada, cantar e sambar na avenida. Mas também me arriscar a morrer dos pulmões, entubada num hospital, ah isso também não!!!”.

Portanto, a verdade como eu sempre digo, estará sempre com o povo. Uma fina sabedoria sempre exaltada por minha amiga e grande foliã, a cronista diária dos jornais Eneida de Moraes.

Pensando bem, não encontrei nada mais conveniente e verdadeiro em pensamento formal para encerrar este texto que a frase da precavida septuagenária de Madureira, a baiana e também costureira da Portela.

Eneida assinaria embaixo, garanto.

Murilo Monteiro Mendes foi um poeta e prosador brasileiro, expoente do surrealismo no movimento modernista brasileiro. (Wikipédia)

P.S: O grande escritor católico Murilo Mendes, em terna citação a Santo Agostinho e seu poema da Morte, nos adverte “A morte não é nada /Eu somente passei para o outro lado/ Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas / Eu estou vivendo no mundo do Criador”.

P.S.1: Dia 22 de Janeiro, sábado, estarei lançando ‘PANDEMIA E PANDEMÔNIO’ na IPANEMA WINE BAR (Rua Gomes Carneiro, 132/112 – Ipanema), dos queridos jornalistas Daniel Mazola e Iluska Lopes, casal de editores desta TRIBUNA DA IMPRENSA LIVRE. Espero vocês lá!

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


Tribuna recomenda!

NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.