Redação

O desembargador João Batista Damasceno, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, pediu que o Supremo Tribunal Federal anule a decisão do Conselho Nacional de Justiça que o condenou à pena de disponibilidade por “simular realização de evento” da corte e “debochar” da promotora Fernanda Abreu Ottoni do Amaral e do Ministério Público do Rio de Janeiro. Com isso, o magistrado ficará afastado do TJ-RJ por pelo menos dois anos.

Damasceno argumenta que o julgamento do CNJ desrespeitou o devido processo legal. Isso porque a relatora do caso, conselheira Ivana Farina Navarrete Pena, negou, sem fundamentação válida, a oitiva de testemunha do evento – que o desembargador diz que efetivamente ocorreu.

Além disso, Damasceno aponta que a relatora lhe negou o direito de prestar seu depoimento, o que prejudicou sua condição processual e impossibilitou o exercício pleno de sua defesa. Diante dessa negativa, o desembargador levantou questão de ordem, que não foi submetida ao Plenário do CNJ.

O magistrado também diz que a pena de disponibilidade é “absolutamente desproporcional ao fato, a revelar insuperável injuridicidade”.

Damasceno ressaltou que a conselheira Rosa Weber, também ministra do Supremo Tribunal Federal, ficou vencida no julgamento ao opinar pela extinção do processo disciplinar. Rosa avaliou que a pena de disponibilidade era inadequada e desproporcional. E a maioria dos conselheiros só aplicou a penalidade de afastamento devido à prescrição das punições mais brandas que poderiam ser impostas no caso, sustentou o desembargador.

João Batista Damasceno ainda apontou que a punição que lhe foi imposta afeta a independência da magistratura. O desembargador afirmou que o seu perfil garantista “é claramente o alvo do inconformismo do Ministério Público fluminense e da relatora, representante dos Ministérios Públicos estaduais no CNJ”.

Damasceno é representado no caso pelos advogados Geraldo PradoLuis Gustavo Grandinetti CarvalhoJuarez TavaresGustavo Sampaio Telles FerreiraJulio Matuch de CarvalhoMurilo Matuch de CarvalhoAna Tereza BasílioVânia Siciliano Aieta e Johan Trindade.

A ação foi distribuída para a ministra Cármen Lúcia.

Entenda o caso
O Conselho Municipal de Defesa da Criança e Adolescente de Itaguaí (RJ) promoveu, em agosto de 2017, evento sobre Direito da Infância e da Juventude. Fernanda Amaral, que é promotora da infância e da juventude do município, questionou os organizadores por que razão não foi convidada para participar do evento, argumentando que conhece a realidade local melhor do que os demais palestrantes, que atuavam em outras cidades.

Fernanda também questionou se a Defensoria Pública do Rio e o TJ-RJ indicaram o defensor Eduardo Newton e a juíza Cristiana Cordeiro, que atuam na área, para participar do evento. Se não fosse o caso, a promotora pediu que os organizadores apontassem o critério utilizado para o convite feito a Newton e Cristiana.

João Batista Damasceno então enviou convite a Fernanda Amaral para fazer palestra em evento do TJ-RJ sobre “as postulações formuladas por grupos identitários e autoridades locais para comporem as mesas de debates como se tivessem o direito de ser convidados”. O evento foi adiado, mas acabou ocorrendo em agosto de 2017 no auditório da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio, segundo o magistrado.

Fernanda Amaral argumentou que o convite foi feito com o latente escopo de debochar dela. O ex-procurador-geral de Justiça do Rio Marfan Martins Vieira apresentou reclamação disciplinar contra Damasceno, afirmando que ele atacou a honra da promotora e do MP-RJ.

Evento real
Em esclarecimentos prestados à Corregedoria Nacional de Justiça em 2018, João Batista Damasceno o evento não foi fictício, nem o ofício forjado. Ele disse que, como ex-presidente do Fórum Permanente de Sociologia Jurídica da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e professor de Sociologia Jurídica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, constantemente organiza eventos. Também declarou que nunca usou instrumentos do Judiciário para fins diversos do interesse público.

Citando o princípio da legalidade (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, estabelecido pelo artigo 5º, II, da Constituição), Damasceno destacou que não há norma que “imponha o dever de convite aos promotores de justiça da comarca onde se realizam os eventos, bem como que impeça que sejam convidados para palestras em comarcas distintas”.

Assim, o desembargador ressaltou que pretendia promover o debate sobre as questões identitárias, de poder local e suas peculiaridades. E afirmou que não teve intenção de debochar da promotora e que comentários jocosos feitos em suas redes sociais por terceiros não podem ser creditados a ele.

Decisão do CNJ
A relatora do caso no CNJ, Ivana Farina Navarrete Pena, que é procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás, afirmou que Damasceno fez uso privado de documentos públicos e da estrutura de comunicação do TJ-RJ para forjar ofício, “redigido em linguagem desrespeitosa” e com o timbre da corte, para convidar Fernanda Amaral a participar de evento fictício.

Segundo a conselheira, o desembargador teve a “intenção de promover a ridicularização de membro do MP-RJ e da própria instituição ministerial em rede social”, na qual fez várias postagens “em tom crítico e jocoso”.

Conforme Ivana Pena, o comportamento de Damasceno foi incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções dos juízes. Afinal, dos magistrados se exige “conduta irrepreensível na vida pública e particular e se impõem os deveres de zelar pela respeitabilidade entre as instituições e de cortesia para com os colegas, membros do Ministério Público, demais autoridades, advogados(as), servidores(as) e usuários(as) da Justiça”, destacou a conselheira.

Ela apontou que o desembargador do TJ-RJ violou os deveres da magistratura dos artigos 1º, 15, 16, 18, 22, 37 e 39, do Código de Ética da Magistratura, além do artigo 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979).

Dessa maneira, impôs a Damasceno a pena de disponibilidade com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

O desembargador ficará afastado do TJ-RJ. Depois de dois anos, poderá pedir reintegração à corte. O Órgão Especial então promoverá sindicância da vida pregressa e investigação social; reavaliação da capacidade física, mental e psicológica; e reavaliação da capacidade técnica e jurídica, por meio de frequência obrigatória a curso oficial ministrado pela Emerj.

Ao analisar o pedido de reintegração, o Órgão Especial também avaliará se subsistem as razões que determinaram o afastamento ou se há fatos novos. Neste caso, a corte, para rejeitar o requerimento, deverá apontar motivo plausível, de ordem ética ou profissional, diverso dos fatos que ensejaram a pena.

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Fonte: ConJur


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