Por Ricardo Cravo Albin

Ruy Barbosa afirmou em discurso político que a sustentação das bases de um país que se quer decente depende da capacidade de sua elite dirigente se habituar a dizer a verdade. Qualquer que seja, até mesmo a que lhe possa ser nociva. Só assim o povo respeita seus representantes. Comprovo que mentiras desde sempre foram utilizadas por todos os governos para encobrir malfeitos e até crimes.

A CPI vem provocando perplexidade, mas um certo alívio por descobrir o pandemônio que causou em menos de dois anos o pior dos resultados, o horror de quase meio milhão de mortes.

O assunto é de extrema gravidade, o acontecimento possivelmente mais macabro jamais ocorrido no país, tragédia patética que separou a nação em dois divisores distintos, os que atribuem ao governo despreparo e má gestão do fenômeno-razão da insatisfação popular e política que levou à criação da CPI – e os que ainda entendem que a fatalidade de uma pandemia é mesmo incontrolável. O fato é que setores mais atentos do congresso brasileiro estão a se deparar dia a dia na CPI com a aflitiva dicotomia verdade versus mentira dos intimados a depor, instados por juramento constitucional a verbalizar apenas as verdades, sob pena de punições, inclusive prisões.

A insatisfação geral com quase todos que estão a depor vêm testemunhando a degradação moral que parece nutrida pelo governo, posto em posição apenas de defesa e de negativas de fatos alimentados ao longo de dois anos pelo chefe do executivo, como é de farto conhecimento público. Ou seja, a indignação no seio da CPI decorre das negativas dos depoentes para encobrir opiniões públicas repetidas à exaustão por Bolsonaro, no sentido de blindá-lo, isentando-o e ao governo de qualquer ordem no sentido de: 1- ao início vetar a vacina “comunista” da China. 2- Imputar ao país detentor de matéria prima (inclusive com parcerias já firmadas com os brasileiros Butantan e a Fio Cruz) a responsabilidade de uma guerra bacteriológica. 3- nomear em meio ao agravamento da pandemia três Ministros da Saúde, o último dos quais o errático General Pazuello e toda a sua equipe de militares. Isso tudo somado à inação claríssima do postergar urgências para reservar a vacina não comunista, a da Pfizer, que poderia ter sido aplicada e salvaria milhares de vida perdidas nesses últimos meses. 4- impor à população a cloroquina, rejeitada pela ciência.

Creio que o show de inverdades, mentiras constrangedoras dos que tinham o objetivo óbvio de blindar o Presidente da República, nunca terá atingido a níveis tão vergonhosos na História do Brasil. Levando de arrastão a imagem do Exército, o indefensável para a consciência crítica dos que pensam o Brasil e o querem com instituições estáveis, como as Forças Armadas, guardiãs constitucionais de nossa defesa. A última prova de degradação moral e disciplinar Pazuello acaba de praticar ao participar como general da ativa em comício eleitoral de motociclistas. Deve ser punido.

Agora o avanço das investigações chega a um momento decisivo. A cada dia em que a pandemia recrudesce, com alarmantes novas cepas, o governo silencia.

Voltando a pandemia, o desfile de mentiras começou com o Secretário Wajngarten ao afirmar que nada tinha a ver com a campanha contra a política do isolamento social. Depois o insustentável ex-Chanceler Araújo negou ter atacado a China. O absurdo é de tal ordem ultrajante que há toda sorte de provas. E eles negam! Simplesmente mentem.

Nunca se havia mentido tanto no Congresso do Brasil. Até por isso, o depoimento de Pazuello é ainda mais atrevido. Porque ao dizer que jamais recebeu ordem para comprar “as vacinas do Dória”, do Butantan (“um manda, o outro obedece”), não vacilou ao responder “que isso é coisa da internet”. Isto significa que na lógica atrabiliária do ex-ministro o presidente mente para seus fãs. Pazuello chamou a mentira de mentira e, consequentemente Bolsonaro também mente. Ele e todo seu entorno.

Jean Jacques Rousseau afirmou no século XVIII que o interesse particular está quase sempre em oposição ao do público. E quando se mente para vantagem de outrem é impostura. Já Immanuel Kant acredita que aquele que mente tem que responder pelas consequências de suas mentiras. Enquanto o teólogo Tomas de Aquino afiançava que apenas as mentiras para enganar o povo são consideradas pecados mortais.

Infelizmente, parece não haver gente suficiente para perceber que a degradação moral de um país (com mentiras continuadas) é o apodrecimento da democracia.


RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.