Redação

O século 21 alvoreceu com grandes esperanças para a Justiça do Trabalho. A Constituição ganhou artigo ampliando as suas competências. No finalzinho de 2004, a EC 45 estabeleceu que a justiça especializada cuidaria não só de relações de emprego, mas o que dissesse respeito a trabalho. Doce ilusão.

Os poderes Executivo, Legislativo e o Supremo Tribunal Federal, contudo, reagiram. Na crença de que a novidade atendia basicamente os interesses dos protagonistas do sistema judicial — e não os trabalhadores — produziu-se um contrafluxo. De lá pra cá, o esquema passou a ser sistematicamente desidratado.

Conforme aponta levantamento da Data Lawyer Insights, nos últimos anos o Supremo tirou da seara trabalhista processos que, juntos, têm impacto de cerca de R$ 5 bilhões.

No julgamento da ADC 48, por exemplo, em abril de 2020, o Supremo decidiu que a JT não é competente para julgar a relação jurídica entre caminhoneiros autônomos e empresas transportadoras de carga, pois a Lei 11.442 (específica sobre o tema) é constitucional. Essa decisão afetou 8.365 ações, que discutiam cerca de R$ 1,7 bilhão.

O mesmo entendimento foi aplicado aos representantes comerciais (RE 606.003) e mais uma vez o STF entendeu que a competência para julgar tais ações é da Justiça comum. Isso porque não existe relação trabalhista entre as partes, sendo sua natureza empresarial e mercantil. Nesse caso foram atingidas cerca de 540 ações no valor de R$ 239,68 milhões.

Na Reclamação 45.881, em decisão monocrática, o ministro Ricardo Lewandowski disse que quando o servidor presta serviço para a administração pública, atrai a competência da Justiça Federal ou da Justiça estadual, mesmos se for empregado no regime da CLT. A ADI 3.395 já havia excluído da JT a competência para julgar ações de servidores públicos estatutários. Assim, cerca de 22.768 ações foram afetadas, representando R$ 1,78 bilhão.

Em junho de 2020, em repercussão geral, o Supremo ainda afastou a competência da Justiça trabalhista para julgar ações sobre complementação do benefício previdenciário, por considerar que o direito previdenciário tem autonomia sobre o trabalhista (Tema 1.092, RE 1.265.549). Ao menos 11.640 processos estão em andamento sobre o tema, discutindo R$ 1,12 bilhão.

Em dezembro, na ADPF 485, a Corte vedou o bloqueio de verbas públicas estaduais para o pagamento de valores devidos em ações trabalhistas, ainda que as empresas reclamadas tenham créditos a receber da administração pública estadual.

A decisão mencionou jurisprudência da Corte que já tinha reconhecido a inconstitucionalidade do bloqueio e do sequestro de verba pública nessas hipóteses, como a ADPF 387. Essa decisão afeta 2.452 ações, no valor total de R$ 225,89 milhões.

A pesquisa, feita nesta quarta-feira (16/6), utilizou como base processos distribuídos após 2014 com documentos fazendo menção a pelo menos um dos recursos ou ações descritas, em números, sem análise do contexto em que são mencionados. Assim, trata-se de uma aproximação.

Briga antiga
O movimento do Supremo sobre a Justiça do Trabalho não começou nos últimos anos. Em 2012, por exemplo, a presidência do TST teve que sobrestar mais de 12 mil processos, totalizando mais de 30 mil na mesma situação, para aguardar decisões do STF sobre ações com repercussão geral conhecida, mas tese ainda não julgada.

Em 2015, o Supremo adotou medidas para alterar algumas práticas da JT. No julgamento do RE 590.415, por exemplo, contrariando um entendimento antigo do TST, decidiu que os trabalhadores que aderiram a acordos do plano de demissão incentivada ou voluntária não têm direito a entrar com uma nova reclamação trabalhista pleiteando valores ou itens que não foram contemplados no acordo.

Em 2020, foi também o Supremo que decidiu pela constitucionalidade da Lei das Terceirizações, que permite a terceirização da atividade-fim das empresas. Em agosto de 2018, o STF já havia se debruçado sobre os temas da terceirização de atividades-fim e meio. Também por 7 votos a 4, foi declarada a constitucionalidade das normas.

Em relação a esse assunto, os ministros entenderam que a flexibilização das normas trabalhistas é um fenômeno global, de forma que seria “temerário” isolar o Brasil deste movimento produtivo.

Mas a Justiça do Trabalho ia na contramão dessa tendência. Ministros e juízes chegaram a assinar manifestos contra a terceirização, deixando de consultar os maiores interessados em encabeçar um movimento nesse sentido: os trabalhadores.

Mesmo dentro da própria Justiça Trabalhista, é preciso esforço para conter o ativismo judicial. Recentemente, o TST teve que podar a sanha do MPT e do TRT, lembrando que o Judiciário não pode se sobrepor à lei para determinar adoção de medidas de proteção à epidemia de Covid-19, conforme notícia publicada pela ConJur.


Fonte: ConJur