Por José Carlos Assis

A vantagem da moeda comercial comum, no BRICS ou fora dele, é justamente retirar dos EUA o poder de ditar a liquidez mundial e as relações comerciais e financeiras internacionais.

De vez em quando, surge na esfera dos economistas neocoloniais algum movimento destinado a ensinar aos economistas neocolonizados as medidas de política econômica para superar o subdesenvolvimento. Em fins dos anos 80, foi o chamado Consenso de Washington, sintetizado pelo britânico John Williamson, hoje falecido. Foi seguido aqui por economistas muito vivos como Armínio Fraga, Pedro Malan e Edmar Bacha, que se enriqueceram usando a porta giratória público-privada.

Agora é a vez do neocolonizador Jim O´Neill, ex-economista chefe do Goldman Sachs. Ele não diz o que devemos fazer, mas o que não devemos fazer. Segundo ele, a ideia de uma moeda comercial única para os BRICS, defendida pela Rússia, Brasil e China, é “ridícula”. Entretanto, procurei nos argumentos que expôs no Financial Times algum que justificasse essa expressão. Não encontrei. Ele sustentou apenas que os países do BRICS são muito diferentes entre si e isso impediria a moeda única.

Ora, pelo que entendo, a moeda é o “equivalente universal”. É ela que reduz todos os valores materiais diferentes a um só. Teoricamente, o fato de os países serem diferenciados não impede, em princípio, uma moeda comercial comum. Assim como a diferença muito mais profunda entre os países do planeta não impediu que a libra esterlina e, depois dela, o dólar, se impusessem como tal. O problema é a confiança na moeda. Em última instância, uma questão política.

O dólar está no ponto de perder totalmente sua credibilidade. Os Estados Unidos usaram tanto a faculdade de criar moeda sem contrapartida de produção que desequilibraram sua economia. Perderam, inclusive, grande parte de suas reservas em ouro. A Alemanha tentou reaver as suas, que estão depositadas no país, e não conseguiu. Washington fingiu não entender a requisição alemã, e Berlim não insistiu, certamente para não constranger seu patrocinador hegemônico.

Fala-se em moeda única ou comum porque a Humanidade já não suporta a hegemonia do dólar nas relações financeiras internacionais, inclusive pelo oportunismo norte-americano de usar a moeda que imprime “infinitamente” para atender a seus próprios objetivos, e não aos interesses do mundo. Isso, por si mesmo, está empurrando outras nações para buscarem uma alternativa. Um grande filósofo do século XIX dizia que a civilização não se coloca problemas que não possa resolver!

A entrevista de O´Neill está eivada de contradições. Ao mesmo tempo em que diz que a busca de uma moeda do BRICS é “ridícula”, ele reconhece que o dólar se enfraqueceu inexoravelmente como moeda internacional. Está evidente que isso não tem volta. O futuro será uma nova moeda única de transações internacionais, apoiada em economias fortes, ou um desarranjo completo do sistema financeiro mundial. E as economias que têm perspectivas de crescimento são as orientais, não as ocidentais.

O´Neill aponta outras dificuldades para a criação de uma moeda comum. Poderia nos poupar disso. Qualquer um sabe perfeitamente que não se constrói confiança numa nova moeda a partir de um acordo ou de um arranjo diplomático. A transição da libra inglesa para o dólar norte-americano custou duas guerras mundiais, a reconstrução da Europa sob a vassalagem dos EUA, e a subordinação dos países pobres às instituições criadas por Washington segundo seus próprios interesses.

A criação de uma moeda comercial comum pelos BRICS dispensaria algumas funções clássicas da moeda. Restringida ao comércio internacional, seria estabelecido um sistema de conversibilidade com as moedas nacionais, que permaneceriam com as funções de reserva de valor e medida de preços internos. A emissão monetária seria governada por uma regra derivada da Teoria de Finanças Funcionais, sendo subordinada à “quantidade e qualidade” dos projetos propostos ao Banco do BRICS.

A vantagem da moeda comercial comum, no BRICS ou fora dele, é justamente retirar dos EUA o poder de ditar a liquidez mundial e as relações comerciais e financeiras internacionais de acordo com os seus interesses internos, e por meio das instituições “internacionais” que controlam.

Tenderiam a desaparecer, por exemplo, eventos como a virtual destruição da Argentina pelo FMI, a partir de condicionalidades de política econômica que, em lugar de a salvar, fizeram o país naufragar.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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