Redação

Com a posição do governo de manter, por ora, a data de realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020, deputados e senadores articulam a votação de um projeto do Senado que suspende o calendário do exame. O projeto (PL 1277/2020), de autoria da senadora Daniella Ribeiro (PP-PB), está na pauta da sessão desta terça-feira (19), com relatoria do senador Izalci Lucas (PSDB-DF).

O texto suspende a aplicação do Enem em caso de calamidade pública, mas não estipula uma data para realização das provas neste ano. “Como a gente não sabe quando termina [a pandemia], a gente não pode definir data, porque ninguém sabe o dia certinho e a hora. Nós temos que definir critérios”, disse o relator do texto ao Congresso em Foco. Izalci adiantou que pretende fazer poucas modificações no texto original.

O relatório será apresentado na sessão desta tarde. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou em reunião de líderes na segunda (18) que o governo já admite prorrogar o exame, mas apenas até o final do ano.

Na Câmara, foram obtidas as assinaturas necessárias para votação em regime de urgência de um projeto que suspende o calendário do exame. A Frente Parlamentar Mista da Educação, no entanto, decidiu apoiar o projeto do Senado, segundo informado pelo secretário-geral, deputado professor Israel Batista (PV-DF).

O governo divulgou uma nota (leia a íntegra abaixo) em que afirma que a fixação de uma data não a torna imutável. “Ocorre que os diversos fatores que influenciarão na potencial alteração do calendário originalmente estabelecido ainda continuam incertos, em imprevisibilidade que obsta qualquer modificação neste momento, já que, como é de conhecimento geral, ainda estamos enfrentando a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19”, diz a nota.

Na semana passada, atendendo a demandas de deputados, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu ao presidente Jair Bolsonaro o adiamento do exame. O presidente da Casa avalia que seria melhor uma posição do Executivo com diálogo do que uma decisão que o Congresso pode impor ao governo.

No entanto, depois de tratar do assunto com o presidente Bolsonaro, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, afirmou que não ver, neste momento, risco de saúde para a realização do Enem em novembro. “É muito cedo para a gente falar em adiar, suspender o Enem”, disse Weintraub à CNN Brasil na noite de sexta (15).

Weintraub argumenta que em torno de 75% dos estudantes que fazem o Enem não estão no último ano de Ensino Médio e não seriam prejudicados pela suspensão do calendário escolar. Vale lembrar que o público-alvo do Enem é o concluinte do ensino médio. O ministro também afirma que o adiamento em dois ou três meses compromete o início do ano letivo de 2021. “O Enem não é feito para corrigir injustiça social, é para selecionar as melhores pessoas”, alegou ele.

Há posição comum aos 27 secretários de educação estaduais e do Conselho Nacional de Educação em prol do adiamento. Além disso, 80% dos países que utilizam esse tipo de exame já adiaram sua realização – China, França e Estados Unidos entre eles.

“Não queremos que o MEC reproduza num assunto técnico como o Enem a guerra entre governo federal e governo estaduais. Ele [o exame] não pode servir de chancela de uma posição política”, disse o deputado professor Israel.

Em reunião com a bancada feminina da Câmara, que reúne 77 deputadas, Weintraub admitiu a possibilidade de adiamento, mas afirmou que a decisão só será reavaliada em agosto, três meses antes da prova. Segundo a deputada Dorinha Rezende (DEM-TO), que estava presente na reunião e preside a Frente Parlamentar da Educação, o objetivo era despertar para a necessidade de adiamento do exame em função das circunstâncias, mas o ministro ficou pouco sensibilizado.

“Do jeito que ele entrou ele saiu. Ele já veio com a ideia pronta”, disse Dorinha, que preside a Frente Parlamentar Mista da Educação. Segundo ela, a resistência deve-se ao perfil do ministro. “Ele é belicoso para tudo”, afirmou. Para a deputada, o ministro quer mostrar autoridade e não quer ceder na hora em que toda a sociedade está pressionando.

Queda de braço

Parlamentares entendem que, ao defender a manutenção do calendário do Enem, o ministro visa endossar a posição do presidente em prol da flexibilização do isolamento social. Professor Israel classifica a posição como radical e dogmática, além de extremamente política. Para ele, o ministro coloca a educação dentro da agenda geral do governo, que é de disputa, em vez de dar primazia aos argumentos técnicos.

Deputados ligados à educação esperavam que a ida de Maia ao Palácio do Planalto facilitasse o diálogo, mas o ministro levou argumentos de que, sob o viés político, seria melhor para o governo manter a queda de braço.

Segundo Weintraub, as readequações para realização da prova, com maior espaçamento entre as cadeiras e contratação de mais fiscais de prova, terão impacto estimado em R$ 80 milhões. A avaliação dos parlamentares, no entanto, é de que suspensão da data em cima da hora pode não ser suficiente para negociar com empresas, reorganizar calendários nos três níveis de educação e fazer a coordenação entre o início dos semestres letivos.

Pedido judicial

O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) protocolou na Justiça Federal pedido para interromper todos os prazos previstos para a realização do Enem em 2020. “No atual cenário de calamidade pública, manter as datas do exame seria uma total inversão dos fundamentos da República, transformando o Enem num instrumento de promoção de desigualdade. É imoral excluir os estudantes que não têm condição de manter o aproveitamento durante a pandemia”, justificou o parlamentar mineiro.

O prazo para inscrição do Enem começou na segunda-feira (11) e vai até o dia 22 de maio. A prova impressa está marcada para os dias 1º e 8 de novembro; já a modalidade digital está agendada para os dias 22 e 29 de novembro.

Leia abaixo a nota do governo sobre o Enem:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

Sobre os diversos movimentos em face de um possível adiamento das datas de aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, em suas versões impressa e digital, o Ministério da Educação (MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) esclarecem:

Por meio dos Editais 25 e 27, de 30 de março de 2020, foi lançado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) constando o cronograma com as datas para a solicitação de isenção e a justificativa pela ausência no Enem 2019, de 06 a 17 de abril de 2020, o período das inscrições entre 11 e 22 de maio de 2020, e a aplicação das provas impressas nos dias 1º e 8 de novembro e as provas digitais nos dias 11 e 18 de outubro de 2020.

Posteriormente, mesmo o índice de solicitação de isenção e de justificativa tendo sido altos, alcançando 3.423.835 registros, o Inep, a fim de que nenhum participante ficasse prejudicado, decidiu, administrativamente, que todos aqueles que têm direito à isenção nos termos do Edital terão seu pedido concedido, de ofício, no momento da inscrição, no período de 11 a 22 de maio de 2020. Além disso, alterou-se a data de aplicação da prova digital para os dias 22 e 29 de novembro. Tais ações ensejaram o lançamento dos Editais 33 e 34, de 22 de abril de 2020.

Por meio da Portaria 329, de 11 de março de 2020, foi instituído o Comitê Operativo de Emergência, com o objetivo de debater e definir medidas de combate à disseminação do novo coronavírus em instituições de ensino, seguindo as diretrizes do Ministério da Saúde, com ampla participação de diversos dirigentes e autoridades responsáveis pela área educacional de todo o país: Ministério da Educação (MEC); Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep); Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed); União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime); Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (Conif); e Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).

Foram destaques das discussões, no âmbito desse Comitê, as tratativas empreendidas a respeito do cronograma do Enem 2020, ocasião em que já se demonstrou abertura para nova alteração da data de aplicação das provas, tão logo o cenário fique mais definido, o que se reafirma na presente Nota.

Assim, reitera-se, a ação de divulgação das datas atuais baseou-se na importância de a sociedade ter conhecimento e segurança sobre a realização do Enem, além de possibilitar a superação de diversas fases preparatórias à efetiva aplicação do exame. A fixação de uma data não a torna imutável, ainda mais no atual momento. Ocorre que os diversos fatores que influenciarão na potencial alteração do calendário originalmente estabelecido ainda continuam incertos, em imprevisibilidade que obsta qualquer modificação neste momento, já que, como é de conhecimento geral, ainda estamos enfrentando a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19.

Frisa-se que para se chegar à execução do Enem é preciso cumprir com as diversas etapas que antecedem a data de aplicação do Exame, tornando fundamental a publicação dos editais do Enem 2020 de modo a garantir à sociedade que o seu direito ao acesso ao Exame anualmente seja preservado e para que seja dado início, pelo Inep, à preparação e viabilidade de execução desta edição do Enem, uma vez superado o atual cenário.

O MEC e o Inep entendem que o Enem é uma das políticas públicas de educação mais importantes, motivo pelo qual está buscando garantir a execução adequada, não apenas para cumprir com seu dever institucional, mas, principalmente, para não prejudicar mais ainda a sociedade brasileira.

Assim, o MEC e o INEP reforçam possuir um diálogo sempre aberto junto às mais diversas entidades e à sociedade em geral, destacando que todas as sugestões e críticas apresentadas são importantes para o aprimoramento de suas atividades e que cada uma delas será avaliada e discutida, sempre buscando o que seja melhor para a educação brasileira.

Brasília (DF), 18/05/2020


Fonte: Congresso em Foco