Por Carlos Mariano –
Resultado sai nesta quarta-feira.
Os dois dias de desfile das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro foram marcados por uma série de problemas e falhas de execução dos projetos de enredos. Com isso, é difícil prever ou indicar qual será a escola campeã do Carnaval Carioca de 2023. Mas, também teve destaques positivos.
O primeiro foi a volta do Império Serrano ao Grupo Especial, que abriu os desfile no domingo, 19.
A escola fez uma linda e justa homenagem ao sambista e poeta Arlindo Cruz, com o enredo “Lugares de Arlindo”. A Serrinha fez um desfile digno e que a credencia a ficar no grupo de elite do carnaval carioca. Quem sabe até brigar na parte de cima da tabela de classificação. O samba dos craques imperianos, Aluísio Machado, Sombrinha, Carlos Senna, Orlando Ambrósio, Rubens Gordinho e Beto BR, confirmou seu ótimo rendimento de harmonia na pista, assim como ocorreu no ensaio técnico. Do ponto de vista do cortejo plástico, o destaque, sem dúvida, foi a última alegoria da escola que trazia o homenageado cercado de seus amigos e de sua parceira e companheira, a ex-porta-bandeira Babi Cruz. Arlindo, que se recupera de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), veio no trono do carro intitulado “O show tem que continuar” – título de grande sucesso do compositor.
Em seguida, veio a atual campeã do carnaval carioca, a Grande Rio, que a exemplo do Império, também fez uma bela homenagem em vida. O atual rei da MPB, Zeca Pagodinho, teve sua trajetória carnavalizada na avenida. Os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad comprovaram a fama de melhores artistas do carnaval do Rio de Janeiro e deram mais um show de execução de seus enredos: passearam pela vida artística de Zeca, mostrando como numa crônica, ou num roteiro de filme, a cara da cultura popular suburbana carioca que, muitas vezes, é escondida pelos cartões postais da cidade maravilhosa. O samba, de autoria de Arlindinho Cruz, Diogo Nogueira, Gustavo Clarão, Igor Leal e Myngal, sustentou muito bem a harmonia da escola de Caxias que, pode sim, sonhar com o bicampeonato, apesar de algumas falhas no desfile.
A terceira escola a desfilar no domingo foi a Mocidade Independente de Padre Miguel, que defendeu o enredo “Terra de Meu Céu, Estrelas do Meu Chão”. A escola da Vila Vintém fez a pior apresentação do desfile de domingo. E, se não for julgada pela história de sua bandeira, mas sim, pelo que apresentou na pista, é – infelizmente –, fortíssima candidata ao rebaixamento para a Série Ouro. Desde o término do carnaval do ano passado, a escola vinha atravessando muitas dificuldades internas para desenvolver seu projeto para 2023. Pelo que vimos, os percalços chegaram na avenida: plasticamente a escola apresentou vários problemas de acabamento em suas alegorias e a evolução foi muito ruim. Sem contar o difícil entendimento do enredo da escola. O samba, de autoria de Cabeça de Ajaxx e parceria, apesar de uma melodia bonita, não contribuiu para uma evolução eficiente da escola.
Quarta a desfilar no primeiro dia de espetáculo, a Unidos da Tijuca veio com um bom enredo, assinado pelo talentoso artista Jack Vasconcelos, que retratava a história da maior baia do Brasil: a Baia de Todos os Santos e sua população ribeirinha. O desfile começou muito bem: a comissão de frente, comandada pelo coreógrafo Sérgio Lobato, trouxe a ex-rainha de bateria da escola, a atriz Juliana Alves, como Iemanjá. A escola do Borel inovou ao ser a primeira a apagar as luzes do sambódromo. Para representar o mar da Bahia, utilizou iluminação azul – um ineditismo de apresentação histórica e fantástica. Contudo, depois, a escola teve muitos problemas, principalmente nos quesitos alegorias e evolução. E, infelizmente, a Tijuca também corre risco de rebaixamento.
O Acadêmicos do Salgueiro foi a quinta escola a entrar na Marquês de Sapucaí e apresentou o confuso enredo “Delírios de um Paraíso Vermelho”, do carnavalesco Edson Pereira. O início do desfile da Vermelho e Branco foi bem naquele estilo oba-oba salgueirense que, em outras épocas, já trouxe títulos para a escola. Foguetório, distribuição farta de bandeirinhas nas arquibancadas, carisma da veterana Viviane Araújo e outras perfumarias não foram suficientes. A escola tropeçou no gigantismo dos carros alegóricos e no fraquíssimo samba que não decolou na pista. Resta aos salgueirenses a esperança de ainda beliscar uma vaguinha no desfile das campeãs, embora seja algo muito difícil de acontecer, já que cometeu muitos erros ao longo do desfile de um enredo e desenvolvimento confuso.
A Estação Primeira de Mangueira encerrou a primeira noite de desfile pisando forte na avenida. A Verde Rosa trouxe o enredo “As Áfricas que a Bahia Canta” e um dos melhores sambas da safra que, valente e pulsante, impulsionou a escola para fazer um desfilaço. Destaque para as paradonas da bateria que se encaixou perfeitamente com a musicalidade da terra de Caetano Veloso. A estreia da porta-bandeira Cinthia Santos, vindo da Unidos de Porto da Pedra, não poderia ter sido melhor. Ela, ao lado do mestre-sala Matheus Olivério, deram um verdadeiro show na Sapucaí. A Verde Rosa é favoritíssima para desfilar no sábado das campeãs.
A Paraíso do Tuiuti foi a primeira a entrar na segunda-feira de carnaval e trouxe o melhor samba-enredo do Grupo Especial. A escola contou a história dos búfalos da Ilha de Marajó que vieram da Índia junto com as especiarias. Num naufrágio, por acaso, chegaram por esses terras. O desfile foi correto e muito bonito na plástica de fantasias e alegorias. Por isso, não deve passar pelo susto do rebaixamento para a Série Ouro como muita gente previa – e torcia. Se tiver boa vontade dos jurados até volta no desfile das campeãs, como ocorreu em 2018.
A tradicionalíssima Portela veio com seu enredo equivocado dos 100 anos, que induz muitos ao erro de pensar se tratar da primeira escola de samba do Brasil. Em artigo publicado aqui mesmo, nesta coluna, já escrevi os argumentos do porquê eu não concordar com essa tese de a Águia estar em seu centenário. Mesmo assim, a Portela poderia ter feito um desfilaço. Emoção, história, fundadores famosos e componentes não faltariam. Porém, a escola na passarela teve inúmeros problemas de evolução e alegorias. Foi uma das suas piores exibições dos últimos anos. Se não fosse a Portela, correria sério risco de um rebaixamento, mas todos nós sabemos que os jurados talvez não tenham essa coragem. Mas, ficar com o título é muito difícil.
A Unidos de Vila Isabel foi a grata surpresa da noite. Apesar do samba-enredo ser muito fraco em letra e melodia foi abraçado pela escola e funcionou na harmonia. A escola de Noel fez um desfilaço e deve voltar entre as campeãs.
A Imperatriz Leopoldinense com enredo sobre Lampião e sob a batuta do genial Leandro Vieira (ex-Mangueira) fez um desfile corretíssimo e também deve voltar na noite das campeãs. Acostumado a enredos políticos, manteve a ousadia. Mas, um dos pontos lamentáveis foi colocar entre os adereços das tradicionalíssimas baianas, espingardas. Até para ousadias há limites e há tradições que não se mexem.
Ousadia também foi a marca do desfile da Beija Flor na avenida. A escola de Nilópolis trouxe para a Sapucaí: “Brava Gente! O Grito dos Excluídos no Bicentenário da Independência“. O ponto alto do desfile foi a impactante apresentação cênica na alegoria que representava o clássico quadro do pintor Pedro Américo – “Independência ou Morte”. Nele, a Beija Flor subverte a narrativa apresentada no quadro e o Dom Pedro é destituído. Isabel Fillardes, atriz negra e militante, toma o lugar do imperador e com o povo faz a real independência do Brasil. O desfile da Deusa da Passarela apresentou um dos melhores conteúdos desse carnaval.
A Unidos do Viradouro encerrou os desfiles do Grupo Especial com uma bela e emocionante apresentação sobre a personagem Rosa Maria Egipcíaca, a santa africana que foi escravizada e viveu no Brasil.
Nesta quarta-feira já saberemos quais são as vencedoras desse carnaval que trouxe muitas surpresas desagradáveis na pista. O que confirma aquela máxima do sambista: carnaval se ganha na avenida.
CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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