Redação –
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) impôs, por maioria, a pena de disponibilidade ao juiz Glaucenir Silva de Oliveira, da Vara Criminal de Campos dos Goytacazes, por áudio vazado em que insinuava a entrega de uma ‘mala grande’ ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em troca da soltura do ex-governador do Rio Anthony Garotinho em 2017.
A disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço é, na prática, o afastamento de um juiz do serviço, mas mantendo o pagamento do seu salário. É a segunda pena mais grave imposta pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que retira o direito a licenças e progressão da carreira. A punição só perde pela aposentadoria compulsória.
NARRATIVA – Somente após dois anos, o juiz poderá solicitar retornar à Vara. No julgamento do CNJ, foram vencidas as teses de remoção e censura contra o magistrado. O presidente do STF, Dias Toffoli, presidiu o julgamento e votou pela disponibilidade de bens. Segundo Toffoli, o magistrado ‘criou uma narrativa’ ao acusar Gilmar Mendes de receber propina.
“Criou-se uma narrativa mentirosa, já reconhecida pelo imputado, mas que ele queria sim, dolosamente, que ela virasse uma narrativa verdadeira. E isso não atinge só a pessoa do ministro que foi atacado. Ele atingiu toda a instituição”, afirmou Toffoli.
CASO DALLAGNOL – O presidente do Supremo citou o caso da advertência aplicada ao procurador Deltan Dallagnol pelo Conselho Nacional do Ministério Público. No caso, o chefe da Lava Jato afirmou que três ministros da Corte formavam uma ‘panelinha’ e passavam uma mensagem de ‘leniência com a corrupção’.
“O Ministério Público, numa manifestação muito menor, aplicou uma penalidade, mas incomparável inferior do ponto de vista do conteúdo ofensivo”, compara Toffoli. “Não é um caso de crítica qualquer, é um caso gravíssimo”.
ÁUDIO – O processo contra Glaucenir Silva de Oliveira, da Vara de Campos dos Goytacazes (RJ), é baseado em áudio vazado do magistrado em que acusa o ministro Gilmar Mendes de ser o destinatário de uma ‘mala grande’ com ‘quantia alta’ para soltar o ex-governador Anthony Garotinho e tirar a tornozeleira eletrônica de Rosinha Garotinho.
O casal foi alvo da Operação Chequinho, deflagrada em novembro de 2017, para apurar o uso do programa Cheque Cidadão, do município de Campos, para obter apoio eleitoral na campanha de Garotinho ao governo do Rio, em 2014. Por ordem do ministro, Anthony e Rosinha foram soltos em dezembro.
SOLTURA – O juiz Glaucemir Oliveira, que no áudio se identifica somente como Glaucemir, diz ter conversado com o juiz da 100ª Vara de Campos dos Goytacazes a respeito da soltura de Rosinha.
“A gente é um soldado na linha de frente, né? A gente leva pedrada, tiro, enquanto o grande general desse poder judiciário que é ele agora, parece que é o dono do poder. Mela o trabalho sério que a gente faz, com sarcasmo, falta de vergonha, e segundo os comentários que ouvi hoje, comentários sérios de gente lá de dentro, é que a mala foi grande”, afirma Glaucemir, que acusa o ministro.
PROPINA GORDA – “E eu não quero aqui ser leviano, estou vendendo peixe conforme eu comprei, de comentários ouvidos aqui em Campos hoje, de pessoas inclusive do grupo do Bolinha, tá? E o que se fala aqui em Campos eu tenho acesso de pessoas que sabem que entendem porque estão no meio. Então, eu estou vendendo peixe conforme eu comprei, mas o que se cita aqui dentro do próprio grupo dele é que a quantia foi alta”.
Em dezembro de 2017, Gilmar Mendes mandou investigar o áudio. A repercussão do caso levou o juiz Glaucemir enviar carta de retratação ao ministro em que pede desculpas pelas declarações — à época, o ‘Estado’ apurou que Gilmar não aceitara a reparação.
RETRATAÇÃO – “Retrato-me de todo o conteúdo expresso no áudio. Os comentários feitos não condizem com a verdade. Peço, outrossim, perdão por todo e qualquer termo que possa ser interpretado como ofensivo à honra de Vossa Excelência, reiterando que esta jamais foi minha intenção”, escreveu Glaucemir, em carta.
O juiz relatou ter sofrido ameaças com fotos da fachada de seu apartamento circulando nas redes sociais e telefonemas na madrugada. Desde então, Glaucemir afirma ter andado com escolta armada e carro blindado em ‘uma situação constrangedora’.
“PERDÃO” – “Diante deste quadro, retrato-me cabalmente dos fatos mencionados no áudio e espero que Vossa Excelência me perdoe por qualquer palavra tida como ofensiva. Sem mais para o momento, subscrevo-me, renovando os protestos de elevada estima e distinta consideração. Cordialmente, Glaucenir Silva de Oliveira.”
Fonte: Estadão, por Paulo Roberto Netto
MAZOLA
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