Por Jeferson Miola –
O resultado da eleição presidencial no Chile confirma a disputa no 2º turno entre a nova esquerda emergente e a ultradireita de características pinochetistas.
A eleição representou o esgotamento do modelo da Concertación, coalizão entre Democracia Cristã e Partido Socialista que governou o Chile desde uma perspectiva neoliberal durante 24 anos após o fim da ditadura Pinochet – em todo período de 1990 a 2010 e no último mandato de Michele Bachelet [2014/2018].
A candidata que representou o “espólio” da Concertación – Yasna Provoste, 5ª colocada – obteve 11,6% dos votos.
A eleição também significou um baque forte para a direita organizada em torno de Sebastián Piñera, atual presidente que governou o país pela primeira vez de 2011 a 2014. O representante situacionista, Sebastián Sichel, ficou em 4º lugar, com 12,7%.
O candidato Franco Parisi fez uma votação inesperada, e o caminho que tomará seu eleitorado poderá ser decisivo na definição do 2º turno.
De perfil demagogo-direitista, este candidato se apresentou como outsider e explorou as bandeiras contra a corrupção e o sistema. Ele sequer pisou em solo chileno durante toda campanha eleitoral e nem mesmo no dia da votação, pois corre risco de ser preso devido à condenação por dívida milionária de pensão alimentícia dos filhos.
Fazendo campanha pelas mídias sociais a partir do Alabama/EUA, onde supostamente se “refugia” das garras da justiça, teve 12,8% dos votos e elegeu uma bancada de 6 deputados.
Os demais postulantes, de perfil à esquerda – Ominami, com 7,61% e Artes, com 1,47% – confirmaram os desempenhos apurados pelas pesquisas.
Se a definição para o 2º turno não surpreende, o mesmo não se pode dizer dos resultados no seu conjunto, que revelam escolhas conservadoras e extremistas de parte do eleitorado.
Os votos conservadores e de ultradireita, somados [Kast + Parisi + Sichel], totalizaram 53,5% ante 46,5% da soma dos votos no campo democrático e de esquerda [Boric + Provoste + Ominami + Artes].
A votação parlamentar para renovação de 2/3 do Senado e de toda a Câmara de Deputados/as foi coerente com a eleição majoritária. A direita obteve maioria no Senado e a composição na Câmara obrigará a negociações complicadas para a aprovação de projetos de interesse das maiorias sociais.
A respeito desses resultados, alguns aspectos a se considerar:
- a emergência e o crescimento da extrema-direita é um fenômeno internacional que encontra terreno fecundo nos países latino-americanos, a periferia do capitalismo que experimenta contradições sociais profundas no contexto da crise do sistema. É reflexo dos processos de desdemocratização e de direitização da política correlatos à crise capitalista mundial;
- o campo conservador chileno, que abarca da direita à ultradireita que conta com adesão social de massas [como Bolsonaro e Trump, por exemplo], conseguiu se recompor eleitoralmente numa conjuntura de franco ascenso popular, de lutas sociais e no marco da Assembléia Constituinte onde o progressismo e a esquerda têm maioria superior a 3/4;
- a oposição à Constituinte ganhou musculatura. As forças constituintes em prol de um país pós-pinochetista e antineoliberal enfrentará maior tensionamento das forças des-constituintes. O ultradireitista Kast, que reivindica o legado pinochetista, é contrário à mudança constitucional; é um defensor da velha ordem autoritária, de um Estado policial e ultraliberal;
- o país está dividido entre o desejo de mudança e o sentimento de medo eficazmente explorado pelo ultradireitista José Antonio Kast.
O confronto entre Gabriel Boric/Frente Ampla [25,8%] e José Antonio Kast/Partido Republicano [27,9%] representa a disputa entre o novo que tenta se impor e o passado que resiste para não morrer.
O futuro do Chile está em disputa nas perspectivas constitucionais, políticas, da arquitetura institucional pós-pinochetista, do modelo econômico antineoliberal e da democracia participativa.
A eleição mostra que o Chile se divide entre a mudança democrática e o retrocesso conservador.
O desenlace a favor da mudança e da transição para um Chile pós-pinochetista e antineoliberal dependerá da capacidade do bloco social que hegemoniza o processo constituinte de impor também sua maioria política na disputa pelo comando do país.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista, Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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