Por Ricardo Cravo Albin –
Mesmo com algum atraso, nunca será tarde para se combater a censura.
Eu, pessoalmente, estou envolvido nesses embates por décadas a fio, em especial quando participei da luta institucional contra a Censura de Diversões Públicas representando autores de radio e televisão (ABERT) no antigo Conselho Superior de Censura o órgão oficial do Ministério da Justiça, na década entre 1967 e 1987. Metade dos indicados era de representantes do governo e a outra metade da sociedade civil como a ABI com Pompeu de Sousa, Susana de Moraes como representação dos cineastas, eu pelas emissoras de rádio e TV e a ABL, para citar apenas quatro dos que votavam sempre pela liberação do que era proibido pela DCDP, o temível Departamento de Censura de Diversões Públicas da Policia Federal. De fato, o Conselho de Anti Censura (assim cunhado por Millor Fernandes) inspiraria a pulverização da censura federal na Carta Magna liderada por Ulisses Guimarães e Bernardo Cabral nos anos 90.
Volta e meia, caros leitores, a chamada por nós liberais de “Velha dama indigna”, a Censura, ainda arremete seus suspiros indesejados. Há poucos dias foi a vez de vitimar o livro “O Avesso da Pele” de Jefferson Tenório ganhador do premio Jabuti. Os fatos: a diretora de uma escola de Santa Cruz do Sul (RS) acusou o livro premiado de exibir “vocabulário de baixo calão” para vetar “O avesso da Pele” em seu colégio. De súbito, a fúria censória se armou. Três outros estados (Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul) recolheram o livro de suas redes de educação, já que integram o Programa Nacional do Livro Didático do Ministério da Educação.
Cabe esclarecer aqui que a escolha das obras literárias adotadas pelas escolas é feita por cada unidade escolar a partir de um guia digital.
Para pura informação dos estimados leitores: o Avesso da Pele já foi traduzido para 16 idiomas, e foi incluído no programa nacional do livro didático. Segundo seu jovem autor, uma escola que proíbe este livro é no mínimo “esdrúxula” porque – e aí o autor se revolta – a eventual citação literária de atos sexuais causou mais incômodo do quê o racismo, cuja temática faz parte orgânica do livro. Cerca de 250 autores e artistas assinaram o manifesto contra a censura ao livro de Jefferson Tenório, entre eles Ailton Krenak (que agora se empossa na ABL), Mia Couto, Dráuzio Varella, Ziraldo, entre tantos outros.
Aliás, a onda conservadora que incentiva a censura em livros para escolas está de fato centrada ao sul do país. Em novembro de 2013 a Secretaria de Educação de Santa Catarina censurou nove obras, de escritores como Stephen King e Anthony Burgess (a obra-prima Laranja Mecânica). Em 2021 uma professora foi afastada sumariamente do Colégio Vitoria Regia de Salvador por indicar “Olhos Negros”, de Conceição Evaristo, que trata da violência contra mulheres negras. Em 2021, uma surpresinha inadequada da Secretaria de Educação de Goiânia que tentou recolher por “conteúdo inadequado” autores como Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Kafka e Edgar Allan Poe. Pouco antes em 2018 alunos do tradicional colégio carioca Santo Agostinho protestaram contra a censura do livro “Meninos sem Pátria” de Luiz Puntel, sobre uma família exilada durante a ditadura. Alguns pais teriam reclamado que o livro estaria levando seus filhos a uma indesejada ideologia esquerdista.
Quando eu lutava contra as obras proibidas pela censura no Conselho de Anti-Censura de Brasília, evoquei certa vez o dia 10 de maio de 1933. Os colegas ficaram chocados quando relembrei que foi o dia em que foram erguidas cerca de 60 grandes fogueiras publicas nas principais cidades da Alemanha. Em menos de duas horas foram queimados cerca de três milhões de livros. Esta monstruosa limpeza da literatura de Hitler seria repetida alguma outras vezes inclusive em pleno sec. XX.
Há pouco soube daquilo que tinha certeza que ocorreria: Jefferson Tenório teria dobrado ou até triplicado as vendas de “O Avesso da Pele” graças a brutalidade de ser censurado. Encerro este ato contra a censura lembrando-me de um dos mais bizarros pedidos que recebi na vida. Com destino à Brasília, ainda participando da luta contra a censura na DCDP, eu conversava no avião com meu velho amigo Chico Anísio. Ele marotamente me confidenciou com sutilíssimo sorriso aos lábios “Só espero agora que o DCDP vete meu livro e com furor. Você vai libera-lo em seguida no conselho. E só assim eu terei mais um best seller.
P.S: O livro que escrevi com boa parte dos meus pareceres contra a DCPD intitulou-se “Driblando a censura: De como o cutelo vil incidiu na cultura” Ed. Griphus, 1999.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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