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Celso Furtado e o subdesenvolvimento programado – por João Batista Damasceno
Celso Monteiro Furtado foi economista e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. Suas ideias sobre o desenvolvimento econômico e o subdesenvolvimento enfatizavam o papel do Estado na economia, com a adoção de um modelo de desenvolvimento econômico de corte pré-keynesiano (Foto: Nelson Perez/Valor)
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Celso Furtado e o subdesenvolvimento programado – por João Batista Damasceno

Por João Batista Damasceno

Ontem, dia 26 de julho, completaram-se 104 anos do nascimento do economista Celso Furtado, um dos mais destacados intelectuais do Brasil do século XX. Celso Furtado nasceu em Pombal, quarta cidade mais antiga do Estado da Paraíba e foi o primeiro brasileiro indicado para o Prêmio Nobel de Economia.

Celso Furtado graduou-se em Direito pela UFRJ e doutorou-se em Economia na Universidade de Paris-Sorbonne. Integrou a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão das Nações Unidas que se analisava os aspectos teóricos e históricos do desenvolvimento da América Latina. No Rio de Janeiro presidiu o grupo que elaborou estudos sobre a economia brasileira, que serviu de base para o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek. Em seu pós-doutoramento na Inglaterra escreveu o livro Formação Econômica do Brasil, publicado em 1959. A obra desde logo se tornou um clássico.

No mesmo ano, no Governo JK, criou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e no Governo Jango foi o primeiro Ministro do Planejamento do Brasil. Foi o idealizador do Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social. Retornando à SUDENE buscou implantar uma política de incentivos fiscais para investimentos na região.

JK e seu vice Jango. (Arquivo Nacional)

Da concepção de Celso Furtado, notadamente em decorrência de suas interlocuções na CEPAL, depreende-se a análise da estrutura produtiva de cada período histórico da sociedade brasileira, voltando-se para as relações da economia nacional com a economia internacional, num contexto de desigualdade entre países centrais, industrializados, e países periféricos, agrícolas. E foi para romper esta infame dependência que entrou em ação.

O Golpe empresarial-militar foi uma interrupção no desenvolvimento do Brasil e rompimento com uma política voltada à soberania nacional. A tentativa de golpe que levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio, em 24/08/1954, há 70 anos, foi adiada para o dia 01/04/1964. Enrolados em bandeiras do Brasil os entreguistas executaram projeto de interesse dos países centrais do capitalismo, notadamente os EUA. A abertura dos arquivos estadunidenses nos permite conhecer a trama que se urdiu contra os brasileiros, a fim de mantê-lo como país subdesenvolvido exportador de produtos agrícolas, minérios brutos e produtos semielaborados ou produzidos sob licença de patentes estrangeiras.

Portanto, dependente dos países centrais do sistema. No dia 09 de abril de 1964, mesmo que um fantoche ocupasse formalmente a presidência da República, os três ministros militares – que exerciam de fato o poder – editaram o Ato Institucional nº 1 (AI-1) e incluiu Celso Furtado na primeira lista de cassação de direitos políticos. Exilado, Celso Furtado permaneceu no exterior até o início da redemocratização. Foi professor e pesquisador em universidades dos EUA, da Inglaterra e da França. Viajou a diferentes países do mundo em missões da ONU. Com a redemocratização foi nomeado Embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Europeia, mudando-se para Bruxelas e foi ministro da Cultura. À frente do Ministério da Cultura, criou a primeira legislação de incentivos fiscais à cultura.

Brasília, 1964 – Tanque diante do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional, durante o Golpe Militar. (Reprodução)

Posteriormente retomou a vida acadêmica e participou de diferentes comissões internacionais, como a Comissão Sul, a Comissão Mundial para a Cultura e o Desenvolvimento, da ONU/Unesco, e a Comissão Internacional de Bioética.

Em 1997 foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira antes ocupada por Darcy Ribeiro, autor da vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para quem o malogro da educação no Brasil não é fracasso; é projeto.

Por sua formação, Celso Furtado foi um dos que mais buscaram o conhecimento do funcionamento e da expansão das corporações multinacionais, o que lhe permitiu concluir sobre os distintos papeis reservados aos países centrais do capitalismo e aos países periféricos do mesmo sistema. Ele faz parte dos pensadores brasileiros que interpretam o subdesenvolvimento como uma forma de organização social no interior do sistema, ao contrário dos que acreditavam haver etapas a serem superadas para atingirmos o mesmo nível dos países centrais, como podem sugerir termos como “país em desenvolvimento” ou “país emergente”.

Lula e Celso Furtado. (Reprodução)

A estrutura do sistema demanda a existência de países subdesenvolvidos. Estes, segundo Celso Furtado, tiveram uma industrialização dependente dos países já desenvolvidos.

Assim, o subdesenvolvimento jamais poderia ser superado sem uma forte intervenção estatal, mesmo que sem uma transformação do sistema produtivo por completo, bastando um redirecionamento da política econômica e social do país que leve em conta o verdadeiro desenvolvimento social. A Revolução de 30, com Getúlio Vargas, industrializara o país porque decidira controlar o excesso da produção, por meio de sua aquisição, controlar o preço da venda dos produtos internacionalmente e com o resultado instalar indústrias, substituindo as importações.

Não foi sem razão que os mesmos entreguistas que há 70 anos levaram Vargas ao suicídio, há 60 anos cassaram os direitos políticos de Celso Furtado e o mandaram para o exílio.

Os entreguistas estavam a serviço do capital internacional em prejuízo do povo brasileiro.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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