Por Lincoln Penna

Sem pretender ser o Conselheiro Acácio, posto que óbvio, espanto é tudo que nos surpreende. Esperança é tudo que alimentamos como desejo, como sonho, diante de circunstâncias diversas. As que nos surpreendem negativamente ou as que nos deixam surpreendidos positivamente. O espanto tem essas duas facetas. E se manifesta repentinamente, daí ser impactante, para o mal ou para o bem. E isso, é claro, se aplica tanto no plano pessoal quanto no social. Neste, o aspecto político desponta como algo a afetar direta ou indiretamente a todos.

Já a esperança costuma ser demorada. Cultivada a cada momento. Leva mais tempo, e em geral educa a paciência de quem a aguarda. Esse processo educativo proporciona melhores decisões, e favorecem nossas vidas e a de nossos semelhantes. Se para o espanto não estamos preparados, para a esperança o preparo é essencial, do contrário as frustrações tendem a se multiplicar em escalas.

Vivemos no Brasil da pandemia, que já se alastra por ano e meio, momentos em que o espanto e a esperança coexistem de maneira inusitada. A escalada da variante nova da corona vírus tem nos deixados tão surpresos como se a irrupção virótica e sua expansão não fossem previstas pelos cientistas. Ao alertarem para a fúria dos desmatamentos e agressões à natureza e suas conseqüências danosas, já apontavam para situações desastrosas e de efeitos surpreendentes, de modo a causar os desequilíbrios que tendem a ser mais freqüentes.

Diante desse cenário com inúmeros seres humanos contaminados e vindo à óbito, com as grandes metrópoles esvaziadas, com as economias depauperadas e as atividades básicas de educação e saúde paralisadas ou colapsadas, restam poucas coisas a fazer além dos protocolos fundamentais para conter a expansão dessa crise sanitária. Uma delas é o cultivo da esperança.

Ela se torna pelo comprometimento das forças sociais que constituem a grande massa dos habitantes da Terra uma nova ideologia, agregadora e disposta ao bom combate.

Por falar em ideologia é inevitável que nos ocupemos daquela que se manifesta com o negacionismo. Enquanto a esperança de superação da pandemia tem o sentido de um vir-a-ser, o seu contraponto consiste exatamente em desconhecer a dimensão da crise espalhada pelo mundo, e a conspirar para a sua permanência, sob a alegação de que existem eventuais ações conspiratórias contra os valores tradicionais, típicas das ideologias que representam interesses dos poderosos.

O bom senso se apoia na ciência, na capacidade de ações coordenadas e no acatamento aos procedimentos de auto defesa e de respeito ao próximo. Do lado oposto se encontram os que insistem em crenças absurdas venham elas pelas vias duvidosas de médicos que assumem mais suas ideologias de interesse junto a tendências e correntes políticas dominantes do que o acompanhamento das pesquisas no campo da medicina e, com essa atitude, subsidiam criminosamente os que sustentam políticas de confronto com a ciência.

Mas, a esperança não se encontra apenas na expectativa de uma imunização completa da crise virótica. Ela se respalda na convicção cada vez mais difundida de que os abusos cometidos por autoridades que apostam no confronto com o conhecimento científico tenham vida curtíssima. O bom combate implica na difusão de conteúdos informativos e fundamentados na razão, único instrumento capaz de esclarecer os dados de realidade que têm sido manipulados pelos agentes da desinformação a serviço de interesses inconfessáveis.

Resta-nos o velho espanto, esse sim duradouro: como foi possível que esse entulho estrutural não removido por um longo período de escravidão, sujeição e absurda desigualdade social permaneça entre nós por tanto tempo? E que ao longo de nossa história tenha produzido testas de ferro que são verdadeiros capatazes da ordem econômica e financeira que nos dominou no passado remoto e recente e nos impede presentemente de superar os nossos males no comando do país e à frente da nação tão sedenta de justiça social.

Essa realidade histórica que nos acompanha há tempos e parece que nos faz manter presos à imobilidade tem sido um vírus permanente, cuja única vacina é a luta constante para vencê-lo. E para que as esperanças estejam voltadas para a melhoria progressiva e expressiva do povo, imunizado duplamente. Das variantes dos vírus e das injustiças sociais que impedem a realização de seus sonhos.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


Tribuna recomenda!