Por Ricardo Cravo Albin –
“Quando o povo está descontente e a situação está crítica, dê comida ao faminto e água ao sequioso”. (Maquiavel)
Com o país a gemer de dor pelas mortes por COVID, a estremecer pelo acúmulo dos abutres a farejar brechas para abocanhar comissões espúrias na compra de vacinas, com uma CPI a que o país ávido acompanha dia a dia para desvelar o novelo de patifarias, contradições e mentiras em cascatas, o Congresso Nacional ainda encontrou tempo para aprovar o patamar de R$ 5,7 bilhões para a campanha eleitoral de 2022. Esse fato vem sendo rejeitado fartamente pela população brasileira. Muito mais agora, que torna o esbulho a mais cara campanha eleitoral até aqui. Leniente, a legislação permite ainda o financiamento via fundo partidário e as doações de pessoas físicas, tornando efetiva a certeza de que a dinheirama gasta com partidos e candidatos chegue à cifra de 10 bilhões ano que vem. Deplorável sinalização para o Brasil, coitado, celebrar seus 200 anos de independência. Independência? De que mesmo?
Como este país padece de memória atrofiada, vale relembrar: o chamado Fundão Eleitoral foi criado para as eleições de 2018, então no valor de R$ 1,7 bilhão. Para que? Para compensar o fim do financiamento empresarial. Que se tornou visto como principal estímulo à corrupção após denúncias seriíssimas de propinas e caixas dois, trazidos à lume pela Lava-Jato.
Empresas como Odebrecht, Andrade Gutierres e JBS, doadoras da eleição de 2014, chegaram a firmar acordos de delação para devolver valores altíssimos aos cofres públicos. Que falta nos faz a Lava-Jato. Só os ceguetas ou os comprometidos com a ladroagem sistêmica se recusam a ver o óbvio mais que ululante, cristalino e acabrunhante como o escritor Otto Lara Rezende admoestava o amigo Nelson Rodrigues quando o óbvio era inapelavelmente óbvio. Esse fundão foi aprovado dentro de lei chamada LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Guardem com todo cuidado os nomes dos que disseram sim a esse esbulho e falta de respeito (além de comiseração) ao povo neste naufrágio em que vive o Brasil, com pandemia, indícios de corrupção em apurações, péssima imagem no exterior (queimadas da Amazônia, 60% a mais, neste último ano), doença súbita do Presidente. E ainda, o que reputo muito grave como patriota (rogo que não me apedrejem pelo adjetivo, que entendo ser aplicado àqueles que amam o Brasil e o querem sadio e limpo): o fato de as Forças Armadas terem sido enredadas nos deploráveis contraditórios de ministro e assessores da Saúde em propinas. Heróis brasileiros fardados jamais poderiam ter suas imagens expostas à uma mínima suspeita.
Poupem ao menos o Duque de Caxias, que coraria de vergonha se comprovasse seus fardados envolvidos em falcatruas, em meio a uma trágica pandemia.
Para que se tenha uma ideia preocupante do que ocorre, o custo médio para um deputado federal ser eleito em 2014 foi de R$ 1,6 bilhão. Você pagaria o preço que nos custa um deputado apenas para se eleger? E depois, qual a segurança que o nosso voto será honrado pelo eleito no exercício do mandato? Falando nisso, um prócer da Comissão do Meio Ambiente, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (SP), que está deixando passar a boiada contra a preservação ambiental (anotem, anotem…), é contabilizada como voto favorável à famigerada LDO, bem como as lideranças de apoio ao governo. Todos os livres pensadores queremos apenas o bem do país. Até porque ainda nutrimos o sonho de um país do futuro. E cadê o futuro, que se esmaece a cada geração?
Minutos antes de fechar este texto, ouvi na televisão que o Presidente, ao receber alta e voltar à Brasília, afirmou que o aumento do fundo eleitoral foi uma casca de banana dentro da LDO. E acrescentou ser injusta a cobrança sobre parlamentares bolsonaristas a favor do projeto. Sem entrar em detalhes, Bolsonaro disse que vai dar “um bom final” para essa questão, reiterando (!!!) que 6 bilhões é valor muito alto. O pior disso tudo: sua base – o Centrão à frente – se dizia contra a impopularíssima LDO. Mas votou docilmente a favor do aumento repudiado pelo povo.
Bolsonaro acusa o Vice-Presidente da Câmara, que teria conduzido a votação às pressas, no sentido de empurrá-la pela garganta no Plenário.
Resposta do acusado: “não houve protesto no ato da aprovação de toda a base, bem como dos filhos do Presidente. Rogo ao Chefe da Nação que assuma a sua responsabilidade. Tenha a coragem de VETAR”. E ponto final, seu “desejo” fica concretizado.
Mais claro, impossível. É o que a consciência viva dos eleitores reclama desde já: vete esse escândalo, Bolsonaro. Não acumule mais um.
Siga sem pestanejar a sugestão do mais celebrado dos teóricos na arte de fazer política, o sábio Maquiavel – “Dê de comer a quem tem fome cívica e de beber a quem a sede pode deixar vazio seu poço de água potável”.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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