Redação –
Deputada estadual mais votada na história, a advogada Janaina Paschoal, de 45 anos, é o símbolo do que se definiu como Nova Política, a geração de novatos eleitos na esteira da Lava-Jato e do bolsonarismo. Cotada para ser vice de Bolsonaro, Janaina conta nesta entrevista concedida no seu gabinete na Assembleia de São Paulo as condições que impôs para aceitar o convite e faz um prognóstico pessimista do futuro do governo depois da criação da Aliança Pelo Brasil.
“Não sei como essas pessoas do PSL vão reagir. Não tem situação pior do que alguém que amava e foi desprezado. O melhor ingrediente para o ódio é o amor não correspondido”, afirmou.
Em que momento a senhora decidiu pedir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff?
Eu estava na aula de pilates e virei para uma amiga e disse “eu vou pedir o impeachment da presidente”. Ela teve um ataque de riso. “É sério!”, eu disse. Aí ela falou, “Nossa, que doida! Você vai ficar famosa”. E eu, “imagina, só vou fazer a parte técnica”. Isso foi uns dois meses antes da entrega do pedido (em setembro de 2015). Na minha cabeça, eu tinha construído a peça, tinha desenvolvido os fundamentos, mas ia fazer trabalho braçal. Quem ia aparecer era o dr. Hélio Bicudo (advogado renomado e colega no pedido). Sei que parece insano, mas nunca imaginei ficar conhecida. Por que contei o episódio? Porque talvez para uma outra pessoa fosse muito claro que o pedido do impeachment ia mudar minha vida, mas para mim não era.
Houve pressão de políticos para desistir do processo?
Muita, especialmente para retirar o trecho da corrupção na Petrobras como um dos motivos do processo. Só depois entendi que estava puxando um fio que trouxe muita coisa. A Petrobras e o BNDES envolviam o PT, mas também o MDB e o PSDB. Comecei a ser um incômodo. Tanto é que o Eduardo Cunha, quando recebe a denúncia, tenta retirar a Petrobras e deixar apenas as “pedaladas”. Respondi: “a minha denúncia é tudo”. Foi bem traumático.
Foi o seu choque com o mundo político real?
Vi que havia mais gente envolvida (nos escândalos), veio ameaça. Foi pesado. Mas aí comecei a achar que tinha o dever de segurar. Mas, se você pegar as imagens de TV, vai ver que eu não saía do plenário. Você pode me achar paranoica, mas eu achava, sem brincadeira, que se saísse para ir ao banheiro alguém ia aprontar alguma coisa e estragar o meu processo.
Em que momento a senhora pensou em ser candidata?
Durante o processo do impeachment, antes da eleição municipal de 2016, o Novo me convidou. Foram vários convites, mas fui adiando. Assinei a ficha de filiação no PSL no último dia do prazo, e só porque o Bolsonaro me disse num telefonema: “Por que você não se habilita e depois você decide se vai ser candidata?”.
O que fez a senhora escolher Jair Bolsonaro?
Eliminação. Não queria dar nenhuma chance para o PT. Ponto número 1. O processo de impeachment e a Lava-Jato trouxeram uma série de situações envolvendo o PSDB e o MDB. Aí, sobrava o João Amoedo (candidato do Novo), que, com todo respeito, não achava que tinha condições de ganhar; o Álvaro Dias (candidato do Podemos), excelente candidato, mas que que naquela época era regional. Aí falei, meu Deus, só sobra o Bolsonaro, só quem tem chance é ele, o que eu faço agora?
Isso foi quando?
Uns seis meses antes da eleição. Se alguém me dissesse “você vai votar no Bolsonaro”, responderia “você é doido”. Porque não tem muito a ver comigo. Mas daí pensei: vou me unir a ele para ajudar a bater o PT. Tanto é que quando ele me chamou pra vice foi um dilema. Pensei: e se eu não for e o homem perde? Vou achar o resto da vida que a culpa foi minha, ficar a vida inteira com essa culpa.
A senhora escolhe por eliminação, mas quando o Bolsonaro ganhou o seu voto?
Mas que alternativa eu tinha? Olha só, quando a gente o conhece, o Bolsonaro é melhor do que aparenta. Isso é fato. Ele é uma pessoa muito agressiva pela imprensa, mas no trato é extremamente educado, muito cortês. Lembra que ele teve aquela ideia de colocar mais dez ministros no Supremo? Eu falei, “presidente, pelo amor de Deus, isso é coisa de ditadura, não pode, temos uma Constituição”. Ele chamou a turma dele e falou “tira isso daí do programa porque não pode”. Esse tipo de reação, de ouvir os outros, foi quebrando aquele preconceito. Essa proximidade me deu uma perspectiva de poder ponderá-lo. Tanto que, quando saí candidata a deputada, tinha ficado meio acordado que o auxiliaria daqui.
Na convenção do PSL a senhora foi apresentada com a provável candidata a vice. Por que não certo?
Eu propus algumas condições que não foram aceitas. Eu propus montar um polo da Vice-Presidência em São Paulo, porque minha família não iria comigo, mas também porque acho estratégico. Eu disse ao Bolsonaro, “fico sediada em São Paulo e quando o senhor viajar ao Exterior, vou a Brasília e substituo”. E enquanto ele governava em Brasília, eu visito outros estados, pego demandas. Eu propus isso para o presidente numa reunião de campanha, e a equipe achou que era pedantismo meu. Na minha ideia, o vice-presidente representa os outros dois olhos do presidente. Se ele estiver mergulhado numa burocracia é inútil. Minha intenção era que, enquanto o Bolsonaro fosse para o front na campanha, eu iria montar o governo. Ele fica no front e eu no backup.
Qual foi a reação?
Ninguém gostou das minhas ideias (risos) Não ia dar certo. Não foi uma coisa, “Ah, a Janaina fresca não quer”. Foi um amadurecimento de parte a parte.
O que aconteceu depois da eleição?
Um distanciamento muito grande. Não sei se por culpa minha, porque falo o que eu penso. Muita gente fala pra mim, “por que você não fala para ele o que você quer dizer ao invés de dar entrevistas?” Mas como é que falo se houve um distanciamento total? Não sei se por culpa da equipe, dos filhos…
Este é um governo de confrontos?
Já na campanha identifiquei isso que o presidente é um líder do conflito. Ele só sabe liderar no conflito. O meu temor é que ele venha eventualmente a perder a mão desse grau de conflito.
O que é perder a mão?
E se os conflitos se acirrarem num ponto que ele não consiga mais governar? Por exemplo, na campanha eu disse, “presidente, as brigas estão demais. O senhor tem que fazer alguma coisa”. E ele deixava a coisa rolar. Ok, foi eleito. Ele começa o governo e a gente sente um pouco disso no governo. Ele não quer saber, cada um que brigue, vai tocando… Agora, ele decide criar um novo partido (o Aliança pelo Brasil) e divide o PSL. Ele conseguiu cindir pessoas que gostam verdadeiramente dele. Concordam com as coisas que ele diz e pensa. Ele conseguiu criar um cisma onde não precisava. Foi um grande erro, gerou muita mágoa.
Governar por conflito é uma tática?
Pode ser que o presidente goste porque enquanto as pessoas estão preocupadas com essas briguinhas, ele está fazendo as coisas acontecerem. Tira a atenção do que é importante. Mas e se os conflitos crescerem num ponto que ele não consiga mais recuperar as rédeas? Tenho essa preocupação.
A senhora imagina o presidente perdendo a mão lidando com protestos como os de 2013?
Não apenas, mesmo numa situação de tranquilidade das ruas. Não sei como essas pessoas do PSL vão reagir numa votação que eventualmente seja necessária para o país. Será que essas pessoas tão maltratadas por nada vão votar a favor do que é devido ou vão votar contra (o governo) só porque estão sendo maltratadas? Perceba, não estou falando de liberação de emendas, nem cargo, mas de mágoa. Porque não tem situação pior do que alguém que amava e foi desprezado, entendeu? O melhor ingrediente para o ódio é o amor não correspondido.
Essa mágoa pode fazer o presidente não terminar o mandato?
Sim, porque ele vai criando briga, briga, briga e estamos só no primeiro ano de mandato.
Qual o futuro da Operação Lava-Jato?
O Supremo está jogando baldes de água com gelo em tudo. Porque existem temas passíveis de interpretações, mas anular processos pela ordem das alegações finais entre réus? Você tem argumentos jurídicos pró-prisão em segunda instância, contra prisão em segunda instância, isso é fato. Mas mudar de opinião em pouco mais de um ano? Fica muito evidente o desejo do Supremo de desfazer a Lava-Jato.
Por isso a senhora está pedindo o impeachment do ministro Dias Toffoli?
O ministro Toffoli instaurou um inquérito sigiloso para investigar qualquer um que fale contra o Supremo e distribuiu esse inquérito à revelia das regras de distribuição; pediu pra recolher uma revista (“Crusué”) e na sequência suspendeu todas as apurações instauradas em informações do Coaf e da Receita Federal. Ele usou o poder dele de maneira absolutamente fora do padrão e, no caso da instauração do inquérito, se valendo da condição de presidente da Corte. Para mim, é flagrante crime de responsabilidade, que se agrava quando a gente constata por força de notícias de que havia movimentações suspeitas por parte dele e da família dele e também do ministro Gilmar Mendes e da sua família. Não estou dizendo que essas movimentações existam e que, eventualmente, haja algo ilícito, mas uma autoridade não pode usar o seu poder, usar uma roupagem de ação institucional para se blindar.
Pedir o impeachment do presidente Toffoli não ajuda as manifestações pelo fechamento do Supremo?
A minha atuação é sempre na Constituição. Não sou do tipo que fica chamando o povo pra ir para a rua. Mas a depender do grau de descontentamento, de indignação que infelizmente nosso país dá margem, pode não ter volta. Eu faço a minha parte técnica, se tiver uma audiência no Senado, vou fazer a sustentação técnica, mas eu não vou botar fogo na população.
A senhora acha que possam ocorrer aqui protestos similares aos do Chile?
Hoje não, mas é bom não folgar. Acho que o Supremo, digo isso respeitosamente, está pecando muito. Não está entendendo o momento histórico que vivemos.
Fonte: O Globo, por Thomas Traumann
MAZOLA
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