Por Lincoln Penna –
O liberalismo econômico e o liberalismo político, sozinhos ou combinados, não conseguem oferecer uma solução para os problemas do século XXI. Mais uma vez chegou a hora de levar Marx a sério. (Eric Hobsbawm, Como Mudar o Mundo)
O liberalismo sob a custódia do mercado financeiro aprisiona o ser humano e confina sua aventura e seus sonhos a uma permanente ilusão de que um dia, quem sabe, ele poderá ser feliz. Enquanto isso o aprisiona numa névoa de seguidas frustrações que o leva ao estado de torpor. Mais do que isso, de um bocejo interminável, de modo a tolher seu movimento e o deixar refém do presente e, portanto, sem futuro certo. Ao se estender a toda a coletividade cabe falar de um bocejo coletivo.
E por que uso o termo bocejo? Bem, aprendi que bocejo é o alerta do corpo cansado. Se aplicado à sociedade brasileira da atualidade faz sentido utilizá-lo para definir o estado em que se encontram os seus indivíduos. Trata-se de um corpo social a revelar exaustão de tantas perdas continuadas de modo a ensejar uma grande sensação de esgotamento, e a levar a uma atitude de desinteresse pelo futuro diante das transgressões sofridas em seu cotidiano, e a impedir a realização de seus simples desejos de uma vida digna de ser vivida.
Também aprendi que o bocejo é contagioso. Quando alguém boceja há como uma carreira de bocejos a se espalhar como que em cadeia, tal como acontece com um acidente trágico visto por um determinado número de pessoas. Todas reagem da mesma maneira exibindo feições semelhantes, isto é, o espanto é comum.
Vive-se no momento uma situação de letargia, de apatia crônica, também altamente contagiosa. Há como uma incapacidade instalada no tecido social de sorte a favorecer os que tiram proveito desse estado de coisas. Um estado de anestesia coletiva e igualmente endêmica.
O remédio para esse mal estar social é o choque de realidade, que consiste em identificar quem são verdadeiramente os inimigos do povo. Ter clara consciência para compreender que o desemprego, por exemplo, não é natural. É provocado, em razão de ser determinado por um sistema voltado exclusivamente para a acumulação de riqueza em detrimento das classes trabalhadoras. Logo, assiste aos interesses de uma classe que detém os mecanismos de produção e reprodução dos bens que acumulam.
Assim, a solução para a redenção dessas classes laboriosas só depende delas. No mundo do trabalho são as únicas que podem de fato superar essa desigualdade. Da mesma forma, só os trabalhadores podem reverter a tendência que hoje em dia só faz crescer o fosso das desigualdades sociais. Para isso, é preciso remover os agentes desse estado de coisas rejeitando os falsos profetas que se encontram nas representações das casas legislativas do País. Em geral, não representam o povo, mas grupos econômicos e seus interesses.
Além disso, que a liberdade do povo esteja cada vez mais vinculada a sua efetiva libertação, vocábulo este que significa a condição de seu ingresso pleno no exercício da cidadania e a construção do poder popular, única alternativa capaz de dar sentido a esse significado de libertação.
Sem essa consciência da necessidade não há como sair dessa secular situação de impasse vivida pelo povo a amargar seguidas desilusões. A cada processo eleitoral que se avizinha surgem as eternas promessas a iludir a boa fé de um eleitorado cansado de bocejar, a indicar um corpo social demasiadamente cansado das ilusões que se esvaem.
Mais um pleito se aproxima e ele colocará em jogo um desafio que tende a traduzir-se em esperança. Para que o povo não canse mais o seu corpo fraquejado e golpeado é preciso que seus cidadãos se façam presentes e pensem na construção de seu futuro imediato, que passa pelo resgate de sua dignidade. E esta implica na condição da melhoria substancial de sua condição de vida. Do contrário, é mais um fator de bocejo renovado, e sua nova irrupção pode vir a dar forma de um surto à alternativa que lhe resta, ou seja, a brusca e violenta ação contra seus opressores.
Não nos deixemos submergir. Esse estado torpe, sob a condução de grupos que se apossaram do poder, ainda que mediante o voto popular, só tiram proveito para se locupletar. Associados aos grandes interesses financeiros e a eles submissos produzem esse estado de mal-estar responsável por esse bocejo coletivo.
Superá-lo implica em primeiro lugar que tenhamos consciência do mal que nos abate, e em conseqüência reanime as forças sociais a imprimirem um movimento coeso de repúdio a essa criminosa ação deletéria, que precisa ser removida de nossa sociedade doentia. E que esse movimento se dê o quanto antes.
Diante desse arrazoado, cabe discutir o poder popular, aquele que deriva da exata compreensão de que a única fonte de representação política se encontra no povo, como não poderia deixar de ser. É precisamente na defesa e na execução de seus desejos que devem ser dirigidas as decisões que o satisfaça enquanto povo.
Mas, para se chegar a isso é preciso alto grau de consciência, superação dos males que o aflige e enorme capacidade de unidade entre as forças sociais que o compõe.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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