Por Luiz Carlos Prestes Filho

Na opinião do artista plástico e design, Avelino de Paula Gomes Neto, o Brasil está mal quando tratamos de liberdade, imagem e formato. Em entrevista exclusiva ele afirma que precisamos repaginar o país, do ponto de vista do design. Mas destaca que a liberdade da arte é fundamental hoje – “mais do que nunca”. Sem ela não será possível construir o mundo de criatividade e paz social que almejamos.

Luiz Carlos Prestes Filho: Arte ou design? Criação única ou criação para reprodução?

Avelino de Paula Gomes Neto: Ambos têm por ferramenta a linguagem pictórica, partem de uma tela em branco e transitam pelo campo das ideias, a semelhança termina aí. Com abordagem metodológica o design tem função e métodos específicos: desenvolver produtos que atendam às necessidades do cliente e seus usuários. Um site, um cartaz, um logotipo. Em contraponto arte é protagonismo, avessa a cenários lógicos atende apenas à necessidade expressiva do criador. Sua liberdade é tal que pouco importa retratar beleza, perversidade ou miséria. É um ato de regozijo de um autor inevitavelmente comprometido, com seu tempo e toda a história da humanidade. Automatismo psíquico, narrações de sonhos, a arte, pretende ultrapassar a oposição entre um mundo desejado e o real, tem ligação estreita com transformações sociais e intelectuais, é revolução na medida que rompe valores passadistas projetando o futuro. Arte e design são pontos de partida, desafios e percurso um para construção e reflexão. Nesta medida qualquer comparação seria injusta. Nos anos 70 iniciei a carreira como arte finalista numa gráfica, passei a ilustrar livros e descobrir os mistérios da organização de textos e imagens para revistas e demais publicações, diagramação. O processo de reprodução está na minha natureza. Comparando, o Brasil precisa ser repaginado, do ponto de vista do design. Mas, principalmente, o país precisa hoje da liberdade da arte.

Prestes Filho: Você se considera um artista ou um designer? Você se considera um artesão ou um operário de uma fábrica?

Avelino: Um artista plástico que pratica design, inspiração em primeiro lugar, a técnica por intuição e principalmente por meio de muito esforço. Não há controvérsias. Me sinto confortável como artesão, um operário da arte.

Prestes Filho: Como a arte entrou na sua vida? Primeiro a ideia, depois a matéria? Primeiro a partitura, depois a música?

Avelino: Cresci num ambiente que cultuava a música, a clássica em especial. Aos dez anos minha mãe me propôs aulas de piano que aceitei prontamente. Na minha visão infantil seria colocar as mãos nas teclas e sair tocando. Mas a professora tinha um metrônomo e uma pauta, eu tinha de solfejar (leitura cantada das notas musicais) e seguir o tempo do metrônomo com palmas. Fiquei com as aulas por três anos, improvisava melodias em casa. Amo a música, mas optei pelo poder mágico da imagem. A imaginação em primeiro lugar.

Prestes Filho: Quais são as suas principais referências? Na arte, na vida e na luta revolucionária social?

Avelino: Na pintura e na luta, Juan Miró, Portinari, Wassily Kandinsky, Paul Klee e Pablo Picasso pela ruptura com os valores conservadores. André Breton, Trotsky, Bakunin e Diego Rivera por seu radicalismo. No desenho preto e branco, J. Carlos, Poty Lazzarotto e Alvarus pelo virtuosismo do traço e inovação pioneira na cultura nacional. Na vida a família, os amigos e até os desafetos foram impulso para me tornar quem sou. Toda a convivência sincera implica em crescimento, mutação e construção de uma visão do mundo.

Prestes Filho: Qual a sua preferida forma de expressão? Porque?

Avelino: Como assinalei passei pela música e sua disciplina férrea. Depois, comecei a pintar, isso aos 16. Neste meio tempo tive ótimos professores de literatura na rede pública e escrevi até cansar os dedos. Escrevo ainda hoje, mas desde cedo percebi que minha vocação são as artes visuais. São meu alimento e rotina que me proporciona alegria e sustento.

Prestes Filho: Qual a sua cor preferida? Porque?

Avelino: Convivi confortavelmente com todo o espectro cromático, cores de fundo, de primeiro plano me davam o recado antes de começar qualquer trabalho. Enfim um colorista nato. Contudo depois de 50 anos de trabalho descobri um novo caminho, o preto, branco e cinza.

Prestes Filho: O futuro pertence aos softwares ou ao artesão com papel e caneta na mão?

Avelino: O futuro da arte pertence aos artistas, software, lápis e papel são ferramentas e opções individuais. Sem o software não chegamos nem até a gráfica, imagine então na Internet. Nas artes plásticas começo pelo papel passando os rabiscos para o processador de imagens onde são reinterpretados. Quando o trabalho é para internet o papel serve apenas para tornar o projeto claro ao cliente, o restante do processo é necessariamente digital. Software e papel inegavelmente se completam.

Prestes Filho: A arte ou a vida?

Avelino: Considerando que o mundo real é mais estranho e inesperado que o da ficção, fico com a vida. O inesperado ronda a cada esquina, basta termos olhos treinados para ver.

Prestes Filho: O amor ou a arte?

Avelino: Sem amor louco não existe arte, sem ruptura não existe arte. Nem o “pétreo” João Cabral de Melo Neto, com seu estilo e matemático prescindiu do amor. Fico com o amor, a arte é uma das consequências.

Prestes Filho: O que você desejaria para os futuros artistas? Quais seriam a suas três principais recomendações?

Avelino: (a) Que avalie suas possibilidades no nicho criativo escolhido com atenção, tendo em vista suas expectativas, ele será o trampolim para sua imaginação; (b) Que observe a natureza, o céu a lua, estrelas e planetas. Identifique padrões, registre o que viu. Chegando em casa faça combinações e jogue na tela. Vá a todas as exposições que puder, fotografia, gravura, design, escultura e analise o conceito por traz de cada uma delas. Registre num relatório, exercitar mãos, olhos e cérebro é fundamental; (c) Que entenda que o vácuo criativo é um desafio pelo qual todos passamos ou iremos passar. A imaginação fica paralisada e a tela em branco prevalece. Sem preocupação com diagnósticos vamos à cura. Em geral o vácuo, inclusive na física, é concentração de energia não canalizada. A disciplina e os exercícios visam desenvolver o potencial para exprimi-la. Volta à natureza, às salas de exposição e museus, e seja resiliente, a arte é exercício.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).