Redação –
Os recentes e permanentes ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema e às autoridades eleitorais do país acentuaram a principal característica de seu governo quando o assunto é política externa: o isolamento. A relação entre o chefe de Estado e presidentes estrangeiros é, em sua grande maioria, fria e distante.
Abaixo do presidente, as relações do Brasil com o mundo não estão paralisadas em consequência do espanto que causam posições do titular do Palácio do Planalto. Visitas estrangeiras são frequentes, ministros se reúnem com seus colegas de pasta de outros países e as relações do país com outras nações evoluem. O problema se concentra na Presidência, e tem se tornado mais complicado desde que atitudes de Bolsonaro aprofundaram a preocupação sobre o desenrolar do processo eleitoral brasileiro.
CÚPULA DAS AMÉRICAS – As dúvidas sobre a participação do presidente na Cúpula das Américas, em junho, em Los Angeles, estão diretamente relacionadas aos conflitos entre o presidente, o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.
O encontro organizado pelo governo de Joe Biden, cuja eleição Bolsonaro demorou semanas para reconhecer — aderindo às teses de fraude levantadas pelo ex-presidente Donald Trump —, estará focado em dois assuntos: sustentabilidade e democracia. Dois calcanhares de Aquiles para o presidente brasileiro.
Bolsonaro corre o risco de ficar exposto, em território considerado inimigo por seu núcleo duro. Seria quase inevitável uma reunião bilateral com Biden, uma saia-justa que o presidente brasileiro não decidiu ainda se quer encarar.
URNAS ELETRÔNICAS – Na semana passada, a subsecretária de Estado dos Estados Unidos, Victoria Nuland, afirmou que seu país confia no sistema eleitoral brasileiro, classificado por ela como “um dos mais fortes da América Latina”, em entrevista à BBC News.
O Itamaraty, comandado por Carlos França, trabalha para o presidente ir aos EUA, sendo coerente com o trabalho do chanceler para recompor pontes com o mundo. Mas outras alas do governo opinam e pesam, complicando o meio de campo para o Itamaraty.
Na opinião de Daniela Campello, professora da Fundação Getulio Vargas e pesquisadora residente do Wilson Center, ir à cúpula das Américas poderia ser o recomeço da relação com Biden. “O Brasil está completamente isolado da Europa, dos EUA e de muitos países da América Latina. Os ataques às urnas eletrônicas, as dúvidas em geral sobre a eleição contam muito negativamente para o Brasil no exterior. Estão todos de olho no que vai acontecer” — frisa a especialista.
SEM DIALOGAR – Bolsonaro não dialoga com presidentes de países de peso do Ocidente. Sua rixa com o presidente francês Emmanuel Macron nunca foi superada; sua proximidade com Trump dificulta a relação com Biden; com as máximas autoridades do governo social-democrata alemão o vínculo é zero; com o britânico Boris Johnson, tampouco foi construído um elo próximo. O único presidente de relevância global com o qual Bolsonaro se reuniu nos últimos tempos foi o russo Vladimir Putin, o que lhe causa dores de cabeça com americanos e europeus.
Na vizinhança a situação não é melhor. Com a eleição de Gabriel Boric, no Chile, o presidente brasileiro perdeu um aliado, embora distante, como era o ex-presidente Sebastián Piñera. Restam-lhe o colombiano Iván Duque, de saída (as eleições, com a esquerda como favorita, são no final de maio), e o equatoriano Guillermo Lasso, que pretende vir ao Brasil em breve.
Às críticas pelo desmatamento na Amazônia, somaram-se os ataques ao processo eleitoral. Existe confiança nas autoridades e no sistema eleitoral brasileiro, frisaram todas as fontes estrangeiras consultadas, mas, mesmo assim, as falas de Bolsonaro causam tensão.
ELEIÇÃO EM PAZ – É necessário, enfatizaram as fontes ouvidas, que o Brasil tenha uma eleição “em paz”, para que o país possa continuar, em maior ou menor medida, conectado com o mundo.
Em abril, estava previsto um encontro de alto nível entre os governos do Brasil e da Colômbia. Segundo fontes colombianas, a reunião foi suspensa por iniciativa do governo Duque, que não considerou conveniente exibir sua proximidade com Bolsonaro no momento em que o Brasil é questionado externamente por sua posição sobre a guerra na Ucrânia (vista por muitos como pró-Rússia).
E as tensões sobre o processo eleitoral tampouco ajudam.
Fonte: O Globo
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