Padre Renato Chiera –
Amai-vos uns aos outros? Ou matai-vos uns aos outros?
Enquanto escrevo passam na televisão cenas de mais uma ação de guerra contra nossos “filhos bandidos” da comunidade do Jacarezinho.
Alguém comemora ação bem sucedida e preparada pela inteligência policial há meses: 25 (agora 28) mortos dos quais até um policial. A maior chacina do Brasil.
Eram bandidos, sequestravam cargas, aliciavam adolescentes para o trafico.
São 43 anos que assisto a estas cenas e matanças. Quase todo dia.
Qual o resultado?
Resolveram o problema do narcotráfico? Da violência?
O Jacarezinho amanhã será livre do tráfico ou apenas mais dezenas de mortos que suscitarão mais raiva e vontade de vingança?
Matai-vos uns aos outros é o mandamento da nossa sociedade e governos.
Existem até pessoas, que dizem de terem fé, que apoiam estas práticas.
Em nome de Jesus?
Mas afinal qual o mandamento de Jesus?
Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Este o meu mandamento.
Ninguém tem maior amor de quem dá sua vida pelos amigos.
Traímos o evangelho.
Jesus sabe que somos falhos, fazemos erros e coisas ruins.
O que faz? Nos manda matar?
Não, nos ama mais e mais.
Aceita dar a vida por nós.
Este amor aos poucos nos muda e nos transforma por dentro.
Esta pratica estrutural violenta apenas mata e deixa poças de sangue.
Estas são as ações para combater o tráfico?
Não resolveram, não resolvem e nunca resolverão.
Jesus acredita na força transformadora do amor. E na bondade de cada ser humano.
Jesus tem razão.
E nossa experiência comprova que é este o caminho certo.
Matar é a prova da derrota e falência dos nossos governos e sociedade e de todos nós.
Estamos tão perdidos e desesperados que achamos normal eliminar nossos filhos que geramos e não amamos.
Continuando assim não teremos futuro ou teremos um futuro sempre mais sombrio.
A fome, a exclusão, o abandono aumentam.
E nós matamos.
Esta não é inteligência, precisamos ir ás causas dos problemas.
Eles, nossos jovens, não tem medo de morrer. Quem não é amado, não se ama e não tem futuro, não tem motivo para viver.
Devemos nós ter medo do grito dos nossos filhos que se fará sempre mais forte e ameaçador…
Nós lhes declaramos guerra. E seremos derrotados.
Nossa prática como casa do menor segue o caminho de Jesus.
Amamos concretamente.
Entramos em comunidades pobres e perigosas, com narcotráfico, facções, milícia e muitos garotos aliciados, não dando tiros e com helicópteros de guerra, mas oferecendo calor de família, valores, o amor de Deus, a vivencia do evangelho, ideais, atividades lúdicas, cursos profissionalizantes, inserção no mundo do trabalho.
Custa muito menos que matar e é mais eficaz.
Venham participar das nossas formaturas no final de maio. E poderão verificar.
Amai-vos uns aos outros.
Funciona.
Faz todos felizes.
Você acredita na força da violência ou na força transformadora do amor evangélico.
Fraternidade sim. Violência não.
Colabore com a campanha contra a fome. Ofereça comida, não tiros.
Padre Renato Chiera se define um padre de rua que procura ser cristão nas periferias do mundo ao lado dos que não são amados por ninguém. Vive nas favelas do Rio de Janeiro desde 1978, e em 1986 o missionário italiano fundou a “Casa do Menor”.
***
Mais uma vez o gatilho não foi puxado sozinho
Por Herédia Alves –
“A obediência de um indivíduo ou de grupos inteiros pode ser dissimulada por uma questão de oportunidade, exercida na prática por interesse material próprio ou aceita como inevitável por fraqueza e desamparo individuais” (Max Weber)
Em meio a uma pandemia que já dizimou mais de 400 mil brasileiros, a comunidade do Jacarezinho no Rio de Janeiro foi alvo da mais sangrenta e letal Operação Policial da história, que culminou com a morte de 29 vítimas até o momento, entre as vidas exterminadas estava um policial civil que veio a óbito durante o confronto.
Na contramão da “ADPF DAS FAVELAS”, contrariando ordem expressa do STF, a ação foi marcada mais uma vez pela violência e descaso que é comum no interior das comunidades cariocas.
Segundo relatos de moradores o que se viu na Comunidade do Jacarezinho foi literalmente um banho de sangue, violação de cenas de crime, fechamento de escolas e postos de saúde, além de invasões a casas, caveirão aéreo, e uma barbárie sem precedentes, que culminou com um massacre psicológico contra uma população vulnerável, que viu suas casas invadidas e vivenciaram verdadeiro genocídio a população negra, que já é conhecido pela necropolítica
comum a cidade do desespero.
Ouvimos a Defensora de Direitos Humanos do Instituto Anjos da Liberdade e advogada Dra. Karina Marinho que via na ADPF 635, uma possibilidade de discutir novos caminhos para a ações policiais dentro das comunidades não apenas no período da Pandemia, mas uma oportunidade de viabilizar formas instituir garantias e direitos fundamentais a uma população que sofre violações de direitos em todos os níveis.
“ Ainda que as autoridades digam que as vítimas da Chacina fossem criminosos, precisamos exaltar o Estado Democrático de Direito, onde essas pessoas deveriam ter tido acesso a um julgamento justo e ao Devido Processo Legal”, relata Dra. Karina, que passou o dia acompanhando os familiares das vítimas na comunidade do Jacarezinho no último dia 07.
Sob o pretexto de proteger crianças e adolescentes que historicamente são negligenciadas pelo Estado que não desenvolve políticas públicas para que estes não sejam alvos fáceis da criminalidade e do tráfico, legitimou-se uma carnificina com diversas violações de direitos fundamentais.
O luto será o pano de fundo do Dia das Mães naquela comunidade, onde diversas mães acabaram de enterrar seus filhos, assim como a mãe do policial abatido na Operação Exceptis.
O choro e a dor acompanharão essas mulheres, que se juntarão a dor de muitas outras que tiveram seus filhos assassinados em ações legitimadas pelo Estado no “pseudo” combate ao Tráfico de Entorpecentes.
Em uma Audiência Pública Remota, realizada na ALERJ essa semana, foi debatido com as autoridades competentes e membros dos movimentos Sociais, a importância do cumprimento da Lei 5588/2009 que prevê uso de câmeras nas viaturas da Polícia Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro, como também debateu o projeto de Lei 265/2015, que propõe, instalação de microcâmeras nos equipamentos dos Policiais Civis e Militares, que já vêm sendo utilizado pela Polícia Militar do Estado de São Paulo.
HERÉDIA ALVES é a titular desta coluna, advogada Criminalista e do Terceiro Setor, especialista em Direito Público, diretora de Projetos do Instituto Anjos da Liberdade, presidente Estadual do Instituto Nacional de Combate a Violência Familiar, advogada da Associação de Moradores da Vila Mimosa e membro da Comissão de Direitos Humanos OAB/ RJ.
MAZOLA
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