Por Luiz Carlos Prestes Filho

O deputado federal por Minas Gerais, Rogério Correia, destaca, em sua entrevista exclusiva que: “Quando a pandemia chegou aqui a Minas, o governador Romeu Zema chegou a dizer que era preciso que o vírus viajasse, não ficasse apenas numa região. Mantendo posturas negacionistas, como as de Jair Bolsonaro em Brasília. Não tomaram as medidas necessárias, o vírus de fato viajou, praticamente todas as cidades mineiras apresentaram casos.” Para o parlamentar:

“O governo Bolsonaro afronta a democracia e as instituições a todo o momento. É preciso uma reforma eleitoral para fortalecer os partidos, evitando o toma-lá-dá-cá.”

Rogério Correia é deputado federal por Minas Gerais (Fotos: Divulgação)

Luiz Carlos Prestes Filho: Como o Deputado vê a cidade de Belo Horizonte no contexto das próximas eleições municipais no Estado de Minas Gerais?

Rogério Correia: As eleições municipais deste ano acontecem de forma atípica, por dois motivos: a pandemia e o governo Bolsonaro. Com reflexos em Belo Horizonte. Não há polarização sobre as realizações do Executivo Municipal, mas sobre o que foi feito em relação à pandemia, na preservação de vidas e na recuperação da economia. E num governo reacionário ultraliberal como o de Bolsonaro e Guedes, há um componente nacional muito grande.

Prestes Filho: O que permite Belo Horizonte se destacar entre as grandes cidades brasileiras?

Rogério Correia: Desde a lei orgânica, BH é uma cidade que vem avançando muito. A Lei de Uso e Ocupação do Solo, o Código de Postura da cidade, foram legislações que contribuíram para o avanço, embora precisem sempre de ajustes. Hoje BH cresce nem tanto pela cidade apenas, mas pela região metropolitana como um todo. Nossa cidade já está de certa forma saturada em relação para onde crescer. Mas ao mesmo tempo temos um déficit habitacional muito grande. Isso passa por colocar o dedo na ferida: atacar a especulação imobiliária e fazer com que a demanda por moradia seja reformulada também em Belo Horizonte. É preciso voltar com a ideia do orçamento participativo na área de habitação, uma prática que executamos nos governos do PT na capital, como muito orgulho. É uma ideia fundamental que seria bom resgatar, e ainda com mais intensidade. Em Minas Gerais esse problema é ainda mais grave, pois o governo estadual infelizmente não tem qualquer política fundiária para o interior do estado, pelo menos no que diz respeito a melhorar a vida dos agricultores, da agricultura familiar, criando condições dignas para os trabalhadores do campo. O governo do estado, por exemplo, acabou com a Seda, que tinha esse papel de fazer melhorias nas áreas rurais.

Sou autor da lei que criou o polo agroecológico na Zona da Mata mineira, é um exemplo de aproveitar vocações regionais, com reflexos sociais e econômicos positivos. Isso o estado de Minas não está fazendo.

Prestes Filho: As políticas de Meio Ambiente orientam as políticas de Turismo, Cultura e Desenvolvimento Econômico? O carnaval de BH e do Estado de Minas Gerais apresentou resultados econômicos positivos nos últimos anos. A festa merece uma atenção especial?

Rogério Correia: A política de meio ambiente em Belo Horizonte é frágil, e acaba não orientando e dialogando com outras políticas de turismo, cultura, desenvolvimento econômico, entre outras. Por exemplo, temos pouquíssimos parques na cidade, temos três ou quatro de maior vulto. Tenho batalhado, por exemplo, para que a área onde hoje funciona o Aeroporto Carlos Prates seja transformada em um grande e necessário parque para servir a região Noroeste da capital mineira, aliás uma região muito populosa. O Carnaval de BH cresceu muito, inclusive com ações voltadas para a sustentabilidade. Isso é muito positivo economicamente. Teremos problemas no pós-pandemia, sobretudo pelas características da cidade e do nosso carnaval, com ruas estreitas e uma festa tipicamente de rua.

Prestes Filho: Foram realizados investimentos para consolidar a vocação de BH e do Estado de Minas Gerais para com a ciência, a tecnologia e a inovação?

Rogério Correia: Sempre foi forte em Belo Horizonte, mas perdemos força. Dentro dessa ótica ultraliberal, privatiza-se tudo e, principalmente, passa-se a pensar a tecnologia como algo distante do serviço público. A parceria não foi feita de maneira eficaz na nossa cidade.

Prestes Filho: Como Deputado Federal qual a sua contribuição com o desenvolvimento social e econômico de Belo Horizonte de MG? Quais desafios os vereadores e prefeitos eleitos vão enfrentar nos próximos anos?

Rogério Correia: Atuo em Brasília para fortalecer políticas para Minas Gerais que fortaleçam as vocações regionais. Por exemplo, meu projeto que cria incentivos à produção agroecológica e o extrativismo do cerrado, através do Pró-Pequi. Uma experiência que fizemos em Minas, com projeto meu aprovado na Assembleia Legislativa quando fui deputado estadual, e agora trazendo isso nacionalmente, na Câmara federal. Fui também o relator da CPI de Brumadinho. Aliás, é preciso lembrar que essa área aqui no entorno de BH tem hoje várias barragens com risco de rompimento, 42 em situação de atenção. Quatro delas com risco iminente de rompimento. Sem contar os crimes de Brumadinho e Mariana, que levaram à poluição do rio Doce e do rio Paraopeba, que temos de ter todo o cuidado para não chegar ao rio São Francisco.

Isso deixou populações inteiras sem condições econômicas essenciais, inclusive no turismo ecológico e na agroecologia. Estamos falando de uma região muito bonita, cheia de cachoeiras, mas ameaçada.

Prestes Filho: As cidades mineiras estavam preparadas para enfrentar a pandemia da Covid 19?

Rogério Correia: O Brasil ficou esperando, enquanto a covid se alastrava na Europa. Quando a pandemia chegou aqui a Minas, o governador Romeu Zema chegou a dizer que era preciso que o vírus viajasse, não ficasse apenas numa região. Mantendo posturas negacionistas, como as de Jair Bolsonaro em Brasília. Não tomaram as medidas necessárias, o vírus de fato viajou, praticamente todas as cidades mineiras apresentaram casos.

Prestes Filho: No campo da Educação o Governo Federal tem atendido Minas Gerais?

Rogério Correia: Os governos de Lula e Dilma aplicaram muitos recursos na área da educação. Mas havia aqui em Minas governos do PSDB, que tentavam negar os avanços nas políticas públicas. Ainda assim, foram criadas a Universidade Federal de Alfenas, a Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha, em Mucuri, e tivemos também a implementação de institutos federais criados nesse período. Agora no governo Bolsonaro é difícil até dizer algo, pois não há nada de construtivo. Pior: há uma política deliberada de destruição dos avanços. Isso tudo com uma visão privatista do ensino.

Prestes Filho: Hoje os gestores públicos realizam programas para a Melhor Idade; Etnias; Diversidade Cultural; Mulher; Indígenas; Afrodescendentes; e LGBTs.

Rogério Correia: Outro retrocesso que estamos vivendo em Minas se refere às políticas de direitos humanos. Zema não por acaso acabou com a Secretaria da Cidadania. Como se essas áreas não tivessem mais problemas, falo das mulheres, indígenas, quilombolas, LGBTs. São áreas com problemas específicos, merecem ser tratados com especificidades.

Prestes Filho: Estamos com a proposta de uma Reforma Tributária apresentada pelo Ministro da Fazenda. Esta proposta vai fortalecer a parceria poder público/iniciativa privada?

Rogério Correia: O governo federal, na prática, desistiu da reforma tributária. A única que pode existir de fato é aquela que distribua renda. Essa reforma foi apresentada com o nome de reforma justa e solidária pelo PT e demais partidos da oposição. Os recursos que arrecadaríamos a mais taxando lucros e dividendos das grandes empresas, e taxando as grandes fortunas individuais, os milionários e bilionárias do país, gerariam cerca de R$ 200 bilhões a R$ 250 bilhões por ano a mais. Só é possível garantir os investimentos necessárias em áreas como saúde e educação, se dividirmos renda. Para manter a mesma carga tributária e a mesma injustiça, o governo praticamente desistiu. Pois não tem coragem de tocar nessas feridas. Por isso Paulo Guedes e Bolsonaro hoje se limitam a falar em reforma administrativa, que seria na prática desagregar o serviço público. Isso é perverso com os servidores e com o povo. Segue a mesma lógica do governo Temer, com sua reforma trabalhista e com o congelamento de verbas para saúde e educação.

Jair Bolsonaro é um porta-voz e uma marionete dos interesses do mercado financeiro, por isso nunca vai apresentar uma proposta de reforma tributária real e necessária.

Prestes Filho: Sua família tem tradição na política de Minas Gerais?

Rogério Correia: Minha mãe é professora, minha avó também, ambas vieram do interior de Minas, de São João do Manhuaçu. Aqui em Belo Horizonte conheceram meu pai, que era de Conselheiro Lafaiete. Meu pai era sindicalista, do Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e região. Como tal, desde os governos de Getúlio e Jango, fez parte do trabalhismo aqui no Brasil, seguiu essa tradição. Posteriormente, meus tios, em especial o Maurício Corrêa, foi a Brasília como advogado, chegou a ser presidente da OAB, ocupando papel de destaque na luta contra a ditadura. Foi eleito senador pelo PDT, sempre muito alinhado com Itamar Franco, sendo inclusive depois indicado por ele ministro do STF. Tive, sim, certo alinhamento com o trabalhismo aqui em Minas.

Prestes Filho: Como você iniciou na política? Como você vê o seu futuro?

Rogério Correia: Como estudante, participei da assembleia que iria reconstruir a UNE, um encontro que ocorreria na Faculdade de Medicina, aqui em Belo Horizonte. O evento foi proibido pela ditadura, ocupamos o DA de Medicina numa vigília à noite, mas na manhã seguinte fomos todos presos, cercados por Exército, cachorros, baionetas. Foi o primeiro grande ato de massa do movimento estudantil em Belo Horizonte. E demonstrava ali certa fragilidade do regime militar. Foi o início do fim para eles. No ano seguinte refizemos o 3° Encontro Nacional dos Estudantes, no fim dos anos 70. Aí veio junto as grandes greves em São Bernardo do Campo. Nessa época já trabalhava como professor, e militava na área. Ali conheci organizações de esquerda, participando da construção do PT, da CUT, do Partido Revolucionário Comunista. Depois fui eleito vereador em 1988, em 82 havia sido o segundo suplente.

Fui vereador por dez anos, depois deputado estadual por dois anos, tentei federal mas não consegui. Nessa época, já com Lula como presidente, fui convidado para dirigir o Ministério do Movimento Agrário, onde tive uma experiência muito positiva. Voltei depois à Assembleia Legislativa, me elegendo deputado estadual, até ser eleito federal em 2018.

Prestes Filho: Você acredita que o instituto constitucional das eleições é a base da democracia? A democracia é o sistema político que deve ser protegido e fortalecido?

Rogério Correia: Sem dúvida a democracia precisa ser fortalecida. Mas aperfeiçoada, pois não é apenas o voto: é a participação diária, fortalecendo os conselhos, do jeito que está é muito burocrática e sujeita a retrocessos, como o que estamos vivendo agora no governo Bolsonaro, que afronta instituições da democracia a todo o momento. É preciso uma reforma eleitoral para fortalecer os partidos, evitando o toma-lá-dá-cá. Isso tudo por conta do enfraquecimento dos partidos, criando um sistema pautado em individualidades sem qualquer comprometimento com o coletivo.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).