Por Luiz Carlos Prestes Filho –
Autor da ópera “Alabê de Jerusalém”, o compositor, escritor e poeta, Altay Veloso, com toda a sinceridade diz que o isolamento social, apesar de necessário, não deixa de ser chato: “Não há outro jeito. Sinto falta de sair às ruas, dar umas voltas na minha cidade de São Gonçalo; ir ao supermercado; receber amigos. Coisas assim, que faço de vez em quando. Quanto ao ofício, tenho trabalhado bem mais que antes. Pois, não desisti de nenhum projeto. Ao contrário, tenho criado outros novos para quando a coisa serenar. Congelados tem alguns. A nova temporada do ‘Alabê de Jerusalém’ que estava marcada para esse ano; a participação num filme sobre a Amazônia; e um show sobre os Orixás com o amigo querido, Zé Maurício Machline.”
Quando a nossa conversa passa para o tema das lutas pela igualdade étnica e cultural no Brasil, Altay com paz, equilíbrio e tranquilidade, que sempre desenhou a sua personalidade, apresenta um trecho da mensagem que escreveu para a pessoa que hoje dirige a Fundação Palmares, em Brasília: “Como pode alvorecer um país que insiste em negar-se a si mesmo sem que haja, com urgência, transgressores em campanha abolicionista a desacorrentar a verdade? No museu do negro, os aparelhos de tortura. Mas, onde foram parar a farda de gala de Machado de Assis, a de João Cândido, a régua de André Rebouças, a pena de Castro Alves, a batuta de Chiquinha, a bengala de Patrocínio, o colar de Dandara, a obra de Valentim, o barroco do padre José Mauricio?”
Com a alegria e a espontaneidade de um menino e com a autoridade identitária cultural, o compositor sabe do que fala. Porque viveu e vive o que fala: “Vim ao mundo nas mãos de uma parteira, meu umbigo foi enterrado aqui no quintal da casa onde resido. Os Pretos Velhos sempre cuidaram de mim. Minha mãe nunca chamou um pediatra, inclusive, nem para meus filhos. Os Pretos Velhos, através de chás, alimentos e remédios originais, que resolviam e resolvem os nossos problemas de saúde. Acho que essa ligação é tão forte que, ao longo de toda minha vida, nunca consegui ficar mais de um mês fora de casa. Antigamente na nossa rua existiam cinco terreiros de Umbanda, agora somente resta o da mamãe. Isso é fruto da discriminação, do olhar negativo que a nossa sociedade tem a tudo que pertence ao negro. Engraçado que mesmo percebendo isso, desde criança, nunca me senti perturbado. Pode ser porque 90% dos meus amigos sempre foram negros”.
Para Altay Veloso se um governo não tem admiração, afeto pela cultura, não há como avançar. Pior, não há como governar: “Sim, erramos quando através do voto escolhemos gerentes de pouco juízo que fazem muita gente sofrer horrores, sobretudo os mais pobres. Rezo todos os dias pedindo a Zambi, luz pra que os homens da ciência encontrem o mais rápido possível medicamentos e vacinas para acabar com esse mal. Sinto muita falta dos encontros com meus companheiros de estrada: Paulo Cesar Feital, Maguila, Filó, Adriano, de você Luiz Carlos…”
Com sentimento de dor Altay conta que perdeu um grande amigo na Bahia, seu compadre, Carlos Fiúza, padrinho de seu filho mais velho. Também, alguns outros com os quais não tinha tanta convivência, mas muita ternura e cordialidade. Três de seus amigos próximos contraíram o Covid-19, mas graças a Olorum, estão curados.
Questiono sobre seu perene semblante de paz ele responde: “Meu avô, Rosendo, tocava sanfona e violão. O meu tio, Sebastião, era compositor de escola de samba e cantador de jongo. Papai foi Rei de Caxambu na sua cidade natal, Cachoeira de Itapemirim. Claro que isso tudo conta. Depois, tenho aqui a presença do Terreiro da minha mãe, com seus atabaques, o suingue e as danças. Tudo isso demonstra que minhas raízes são profundas. São raízes que edificam essa paz de minha vida”.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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